11 de novembro de 2007

A cidade fala

Jornal O Estado do Maranhão
São Luís fala. Fala, esta cidade. Fala por sua história, sua geografia, sua arquitetura, seu traçado português, suas ruas em ladeira, seus sobrados e igrejas; por sua gente e suas crianças; por seus ventos, como agora, pura carícia e frescor; fala por suas hipnotizantes luas cheias que o bebê com nome de rei do povo judeu olha fascinado, comparando-as com a lâmpada acesa na sacada do alto prédio, de onde se vêem navios à distância, iluminados ( com a luz da lua?) na noite tão bonita. São vários os idiomas, os signos, as linguagens reveladores da cidade.
Ela fala também por seus bons escritores, artistas plásticos e fotógrafos, que os há apaixonados por ela, e muito. Vejam o caso deste São Luís, azulejo e poesia, pequeno e belo livro com texto de Antônio Carlos Lima e ilustrações de Jesus Santos, contando ainda com fotos de Márcio Vasconcelos.
Antônio Carlos, um dos melhores jornalistas maranhenses, ex-diretor de redação deste jornal e ex-diretor do Centro de Estudos Brasileiros, da embaixada do Brasil em Santiago, Chile, fez São Luís contar sua própria história, desde a fundação até nossa época, depois de ter conversado com ela, seduzindo-a e convencendo-a a se mostrar, a fim de obter um texto natural e simples. As crianças, que formam o público a que o livro se dirige, terão ouvidos para escutar e olhos para ler, e mais terão quando adultos, pois se o tiverem lido terão crescido no amor pela cidade – não aquele do poeta, eterno apenas enquanto durar –, pois será amor, se me permitem dizer, eternamente eterno, como são os amores delas. Por acaso, alguém deixa de ser criança?
Desde a vinda dos franceses, comandados pelo senhor de La Ravardière e por François de Rasilly, fundadores da França Equinocial aqui, e mesmo antes da vinda deles, a partir da chegada a nossas terras de piratas e aventureiros de várias nacionalidades, ainda no século XVI, até o surgimento da metrópole de quase um milhão de habitantes de nossos dias, quase 400 anos depois de sua fundação em 1612, passando pela período de grande crescimento econômico no século XIX, que possibilitou o surgimento de uma brilhante geração de intelectuais, quando se tornou conhecida como Atenas Brasileira, e permitiu a construção de um conjunto arquitetônico de grande valor histórico atualmente, assegurando-lhe em 1997 o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, dado pela Unesco, o texto toma o leitor ou o pequeno leitor pela mão, no estilo caracteristicamente leve e descomplicado de Antônio Carlos, correto, seguro, claro e saboroso, como se pode ver no seu livro de crônicas e reportagens Além da Ilha, e o conduz pela história da cidade, de forma didática, com paciência de bom professor, dando informações precisas, indicadoras da notável capacidade de síntese no autor.
Jesus Santos, expositor em São Paulo, Brasília, Salvador, Bogotá e Nova York, artista maduro e inquieto, que realizou sua primeira exposição no Salão Nobre da Academia Maranhense de Letras em 1967, hoje em pleno domínio de seu artesanato pictórico e um dos maiores talentos, se não o maior de sua geração, valoriza o livro com ilustrações de cores vibrantes ajustadas perfeitamente ao texto e, portanto, ao próprio público a que é destinada a obra, contendo todos os elementos simbólicas do nosso imaginário acerca dos momentos fundadores de nossa sociedade e desse corpo vivo que é a cidade.
Não sei se ainda se ensina história do Maranhão nas escolas. Se o fazem, este deveria ser livro de uso obrigatório. Se não, deveriam fazê-lo. Afinal, num ambiente em que se produzem tão poucos livros sobre o assunto e num ano em que a cidade completa 10 anos como Patrimônio da Humanidade, o aparecimento de um como esse deveria ser motivo de adoção imediata pelas escolas e salvas de foguete.

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