1 de junho de 2003

Há esperança

Jornal O Estado do Maranhão 
Um projeto de lei chega ao Congresso Nacional, é analisado por várias comissões, na Câmara dos Deputados e no Senado, e discutido durante quase um ano. Incorpora diversas sugestões de senadores e deputados e de grupos de interesses, vamos dizer, legítimos, recebe parecer favorável, vai a votação nos plenários das duas Casas, é aprovado com larga maioria e segue para sanção pelo presidente Lula, a primeira dele. Ele aproveita a oportunidade para dizer, em cerimônia pública, que, embora houvesse quem achasse que algumas leis pegam e outras não, aquela iria pegar. Finalmente, a lei completa o nascimento legal com sua publicação no Diário Oficial da União e passa a ser conhecida como o Estatuto do Torcedor.
Aí, a cartolagem do futebol brasileiro faz uma descoberta sobre ela, que nasceu para ajudar na modernização da administração esportiva no Brasil. Seu cumprimento seria quase impossível, por causa dos supostos absurdos de alguns de seus artigos. Vem em seguida a ameaça de paralisação do campeonato brasileiro, numa tentativa de colocar o governo Lula contra a parede. Pobre do país em que os descontentes com a legislação pudessem facilmente desobedecê-la!
Um artigo com redação bastante obscura – como é comum, aliás, nos textos legais e, também, em manuais, em notas de esclarecimento, etc., com as exceções costumeiras – tratando da responsabilidade dos dirigentes sobre a segurança dos torcedores nos estádios e fora deles, foi o pretexto para a tentativa de interrupção. Mas, não será em outros pontos do Estatuto, como naqueles que obrigam os dirigentes a publicar na Internet os borderôs dos jogos, a divulgar pelo sistema de som dos estádios as informações sobre renda e público, a acabar com os convites para jogos, a obedecer a critérios técnicos de inclusão e exclusão de times nas competições, que se encontra a verdadeira motivação da rebelião frustrada?
A Folha de S. Paulo prestou relevante serviço ao futebol brasileiro ao publicar no domingo passado reportagem com o título “Planalto implodiu acordo entre Ministério e cartolas”. Pôde-se ver lá tanto a intentona, quanto a imediata reação do governo. Segundo o jornal, havia um acordo, de paralisação do certame nacional, entre o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e alguns dirigentes do Clube dos 13. Quando José Dirceu, chefe da Casa Civil, fez chegar a Teixeira e ao vacilante ministro dos Esportes um recado de Lula, de que não admitiria recuo no cumprimento da lei, o presidente da CBF rompeu o acordo com os cartolas, sepultando a rebelião.
Com a finalidade de avaliar-se bem a desorganização permanente do nosso futebol é suficiente dizer o seguinte. Em 1987, o campeonato brasileiro, apelidado na ocasião de Copa União, foi organizado pelo então recém-criado Clube dos 13. O Sport e o Guarani, vencedores de um tal de módulo amarelo, uma espécie de segunda divisão, foram declarados pela CBF campeão e vice da Copa, porque o primeiro e o segundo colocados de um módulo verde, equivalente à primeira divisão, Flamengo e Internacional, recusaram-se a jogar com as duas outras equipes, como queria a entidade. Uma grande confusão.
Em 1997, a CBF tornou sem efeito o rebaixamento para a segunda divisão do Fluminense e do Bragantino, sob a alegação de que um escândalo envolvendo o chefe de arbitragem da CBF havia tirado a credibilidade da competição, por ela (des)organizada.
Em 2000, o presidente do Vasco, Eurico Miranda, forçou a realização no pequeno e inseguro estádio do seu time, do jogo final contra o São Caetano, pela Copa João Havelange, nome do campeonato na época, provocando a queda de um alambrado e ferimentos em centenas de pessoas. Mesmo assim, conseguiu realizar um novo jogo, em lugar de ser declarado perdedor, e ganhou o título.
Esses são apenas alguns exemplos de fatos mais conhecidos. Poderá haver progresso, porém, com essa lei e com uma outra, em elaboração, o Estatuto do Desporto, que irá unificar a legislação esportiva do país.
Bola pra frente, ainda há esperança.

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