17 de fevereiro de 2015

Os progressistas do xixi

Blogs e Colunistas
17/02/2015
 às 17:39

Os progressistas do xixi, do cocô, do vômito e das drogas adoram a cidade inventada por Fernando Haddad, este flagelo que se abateu sobre São Paulo. Em 2016, ele concorre à reeleição, tendo Chalita como vice. Quer dizer: pode piorar!

O prefeito Fernando Haddad concedeu na semana passada uma entrevista ao “Jornal da Manhã”, da Jovem Pan. Tomou uma surra de Marco Antonio Villa. Não conseguiu responder a uma só questão de modo objetivo. Jogava todos os embates para o terreno ideológico: ele seria o “progressista”, e Villa, o “reacionário”; ele seria “o bem”, e o interlocutor, “o mal”: uma trapaça tipicamente petista. Mas o prefeito dispõe de algo que falta a seu interlocutor: uma equipe de comunicação organizada para distorcer a verdade e puxa-sacos financiados, encarregados de repetir uma mentira para ver se ela passa por verdade. Espalharam a versão, falsa como a cidade que Haddad anuncia em seu discurso, de que o prefeito foi o grande vencedor de um confronto que não existiu. Como se sabe, o político é ele — logo, quer é a versão; ao outro, só interessavam os fatos, que o prefeito fez questão de ignorar. E é de fatos que trato aqui.
Na madrugada desta terça, a Polícia Militar teve de recorrer a bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo para dispersar ditos foliões que se reuniam na Vila Madalena. Foi Haddad quem transformou o bairro num mijódromo a céu aberto, num vomitódromo a céu aberto, num cagódromo a céu aberto, num motel a céu aberto, numa área livre — mais uma! — para o consumo de todas as drogas ilícitas, vendidas abertamente e aos brados.
Os moradores do bairro que se danem. Os pagadores de IPTU que se danem. Os cidadãos que se danem. As maiorias que se danem. Afinal, como Haddad fez questão de deixar claro a Villa, ele é um homem “moderno”, e quem se importa com direitos individuais, com Constituição, com Código Penal, com o mínimo necessário de ordem para manter a civilidade é só um reacionário.
No dia 9, relatei no programa “Os Pingos nos Is” (link aqui), na Jovem Pan, o que eu havia constatado numa visita que fiz a amigos na Vila Madalena. Reproduzo um trecho da minha fala:
“Em frente à casa desse meu amigo, havia fezes, urina, vômito, tocos de cigarro de maconha, latinhas queimadas por uso de crack… Ninguém gosta daquela festa à porta da sua casa. E aí é que começa a civilização. Não existe civilização sem reconhecer a existência do outro. Se você não quer ninguém fazendo xixi na porta de sua casa, não faça xixi na porta da casa alheia. Se você não quer ninguém vomitando na porta de sua casa, não vomite na porta da casa alheia. Se o poder público promove uma coisa dessas, como o sr. Haddad está promovendo, para dar uma de moderninho, é preciso cobrar dele a responsabilidade. Aliás, as pessoas já estão cobrando: nota dele [no Datafolha]: 4,2%; rejeição: 44%. O problema é o cara abraçar uma pauta sem olhar a cidade real”.
Pois é…
No dia 2 de julho do ano passado, durante a Copa do Mundo, escrevi neste blogum post cujo título era este: “A Vila Madalena se transformou na Cracolândia dos descolados”.
Vila Madalena 1
Lia-se lá:
Na Cracolândia, não valem as leis do Código Penal. Na Vila Madalena, também não.
Na Cracolândia, não vale a Lei Antidrogas. Na Vila Madalena, também não.
Na Cracolândia, o Artigo 5º da Constituição, que assegura direitos fundamentais — entre eles, o de ir e vir — não tem vigência. Na Vila Madalena, também não.
Na Cracolândia, os moradores reais da região não têm como reivindicar seus direitos. Na Vila Madalena, também não.
Na Cracolândia, tudo é permitido, menos cumprir a lei. Na Vila Madalena, também.
Na Cracolândia, os proprietários viram o seu patrimônio virar pó; na Vila Madalena, também.
Na Cracolândia, a via pública serve de banheiro ou de motel. Na Vila Madalena, também.
Então qual é a diferença entre a Cracolândia e a Vila Madalena: o preço que se paga para frequentar uma e outra; o estrato social de seus frequentadores; os produtos que se vendem nas ruas.
(…)
No dia 10 de julho, voltei ao tema:
Vilma Madalena 2
Muito bem! Na madrugada desta terça, quando a brigada da limpeza chegava para maquiar o desastre — sim, maquiar, porque o grosso da sujeira fica lá; é impossível removê-la rapidamente —, foi recebida com hostilidade por vagabundos disfarçados de foliões. A Polícia Militar foi atacada com garrafas e teve de revidar. Pessoas se feriram, inclusive um policial.
A culpa é de Fernando Haddad, é claro! Angelo Filardo, subprefeito de Pinheiros, admitiu que a coisa saiu do controle — ah, não me digam! E afirma: “O bairro não comporta esse tamanho de evento. Precisamos, a médio prazo, desmontar essa bomba”. A médio prazo???
A imprensa é condescendente com a desordem. Na Folha, leio o seguinte título:“Popularização da Vila Madalena gera rixa entre moradores e antigos foliões”. Como??? Popularização? Quer dizer que “povo” é aquilo que faz xixi, vomita e caga na rua? “Povo” é aquilo que não respeita o pactuado? Que não segue as regras mínimas da civilização? Leio na reportagem: “Nesta segunda-feira (16), seis universitários saíram de São Bernardo do Campo, na Grande SP, levando um megacooler com 600 cervejas e uma caixa de som potente. (…) um casal que mora a uma quadra dali passa. O homem aponta para a caixa de som. ‘Você não mora aqui, mora?’, pergunta a um dos estudantes. ‘Pois é, tem gente que mora, e esse barulho incomoda. Vocês podiam ir para outro lugar.’”
E segue a reportagem:
“Os meninos abaixam o volume, e o casal vai embora. Minutos depois, o som volta a tocar no volume inicial.”
Como? “Meninos”??? Universitários saídos de São Bernardo com um megacooler com 600 cervejas??? Meninos??? Cá para mim, eu reservaria a palavra “meninos” para, sei lá, “Os Meninos Cantores de Viena”.
Na reportagem da Folha, aliás, um testemunho resume o tamanho do problema. Diz uma tal Bárbara que a turma vai pra lá porque é onde “tem mais muvuca, além de bastante polícia”Vale dizer: o poder público foi sequestrado e posto a serviço de quem transgride a lei. Se a Polícia Militar cumpre a sua função, aparece no noticiário como aquela que espanca os “Meninos Cantores de Viena”.
Por que o Ministério Público não fez nada até agora? Não sei! Falta de vergonha? Falta de espírito público? Falta de isenção? Sugiro aos moradores da Vila Madalena que consultem seus advogados e acionem a Prefeitura. O poder público não tem o direito de tirar o seu sossego, de cassar suas prerrogativas, de promover a depredação e a desvalorização do seu patrimônio, de incentivar o desrespeito ao Código Penal, de rasgar a Constituição.
Eis aí a cidade administrada pelo “moderno” Fernando Haddad. Segundo ele, quem não gosta de sua gestão são os reacionários. Os progressistas do xixi, do vômito, das fezes e das drogas adoram a sua obra.
Em 2016, Haddad concorre à reeleição — provavelmente com Gabriel Chalita como vice. Caso reeleito, em 2018, haverá folião fazendo cocô na sua sala, leitor. E você fará o quê? Sei lá… Pode abrir um dos livros de autoajuda de Chalita. Afinal, você tem o direito de fazer cocô na própria sala.
Por Reinaldo Azevedo

3 de fevereiro de 2015

Chegou a hora

Fernando Henrique Cardoso
O Estado de São Paulo 1//2/2015


Quando eventualmente este artigo vier a ser lido, a Câmara dos Deputados estará escolhendo seu novo presidente. Ganhe ou perca o governo, as fraturas na base aliada estarão expostas. Da mesma maneira, o esguicho da Operação Lava Jato respingará não só nos empresários e ex-dirigentes da Petrobrás nomeados pelos governos do PT, mas nos eventuais beneficiários da corrupção que controlam o poder. A falta de água e seus desdobramentos energéticos continuarão a ocupar as manchetes. Não se precisa saber muito de economia para entender que a dívida interna (R$ 3 trilhões!), os desequilíbrios dos balanços da Petrobrás e das empresas elétricas, a diminuição da arrecadação federal, o início de desemprego, especialmente nas manufaturas, o aumento das taxas de juros, as tarifas subindo, as metas de inflação sendo ultrapassadas dão base para prognósticos negativos do crescimento da economia.

Tudo isso é preocupante, mas não é o que mais me preocupa. Temo, especialmente, duas coisas: o havermos perdido o rumo da História e o fato de a liderança nacional não perceber que a crise que se avizinha não é corriqueira – a desconfiança não é só da economia, é do sistema político como um todo. Quando esses processos ocorrem, não vão para as manchetes de jornal. Ao entrar na madeira, o cupim é invisível; quando percebido, a madeira já apodreceu.

Por que temo havermos perdido o rumo? Porque a elite governante não se apercebeu das consequências das mudanças na ordem global. Continua a viver no período anterior, no qual a política de substituição das importações era vital para a industrialização. Exageraram, por exemplo, ao forçar o “conteúdo nacional” na indústria petrolífera, excederam-se na fabricação de “campeões nacionais” à custa do Tesouro. Os resultados estão à vista: quebram-se empresas beneficiárias do BNDES, planejam-se em locais inadequados refinarias “premium” que acabam jogadas na vala dos projetos inconclusos. Pior, quando executados, têm o custo e a corrupção multiplicados. Projetos decididos graças à “vontade política” do mandão no passado recente.

Pela mesma cegueira, para forçar a Petrobrás a se apropriar do pré-sal, mudaram a Lei do Petróleo, que dava condições à estatal de concorrer no mercado, endividaram-na e a distanciaram da competição. Medida que isentava a empresa da concorrência nas compras se transformou em mera proteção para decisões arbitrárias que facilitaram desvios de dinheiro público.

Mais sério ainda no longo prazo: o governo não se deu conta de que os Estados Unidos estavam mudando sua política energética, apostando no gás de xisto com novas tecnologias, buscando autonomia e barateando o custo do petróleo. O governo petista apostou no petróleo de alta profundidade, que é caro, descontinuou o etanol pela política suicida de controle dos preços da gasolina, que o tornou pouco competitivo, e, ainda por cima (desta vez graças à ação direta de outra mandona), reduziu a tarifa de energia elétrica em momento de expansão do consumo, além de ter tomado medidas fiscais que jogaram no vermelho as hidrelétricas.

Agora todos lamentam a crise energética, a falta de competitividade da indústria manufatureira e a alta dos juros, consequência inevitável do desmando das contas públicas e do descaso com as metas de inflação. Os donos do poder esqueceram-se de que havia alternativas, que sem renovação tecnológica os setores produtivos, isolados, não sobrevivem na globalização e que, se há desmandos e corrupção praticados por empresas, eles não decorrem de erros do funcionalismo da Petrobrás, nem exclusivamente da ganância de empresários, mas de políticas que são de sua responsabilidade, até porque foi o governo que nomeou os diretores ora acusados de corrupção, assim como foram os partidos ligados a ele os beneficiados.

Preocupo-me com as dificuldades que o povo enfrentará e com a perda de oportunidades históricas. Se mantido o rumo atual, o Brasil perderá um momento histórico e as gerações futuras pagarão o preço dos erros dos que hoje comandam o País. Depois de 12 anos de contínua tentativa de desmoralização de quase tudo o que meu governo fez, bem que eu poderia dizer: estão vendo, o PT beijou a cruz, tenta praticar tudo o que negou no passado – ajuste fiscal, metas de inflação, abertura de setores públicos aos privados e até ao “capital estrangeiro”, como no caso dos planos de saúde. Quanto ao “apagão” que nos ronda, dirão que faltou planejamento e investimento, como disseram em meu tempo? Em vez disso, procuro soluções.

Nada se consertará sem uma profunda revisão do sistema político e mais especificamente do sistema partidário e eleitoral. Com uma base fragmentada e alimentando os que o sustentam com partes do Orçamento, o governo atual não tem condições para liderar tal mudança. E ninguém em sã consciência acredita no sistema prevalecente. Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais.

Resta, portanto, a Justiça. Que ela leve adiante a purga; que não se ponham obstáculos insuperáveis ao juiz, aos procuradores, aos delegados ou à mídia. Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde que efetivamente culpados. Que o STF não deslustre sua tradição recente. E, principalmente, que os políticos, dos governistas aos oposicionistas, não lavem as mãos. Não deixemos a Justiça só. Somos todos responsáveis perante o Brasil, ainda que desigualmente. Que cada setor político cumpra a sua parte e, em conjunto, mudemos as regras do jogo partidário eleitoral. Sob pena de sermos engolfados por uma crise que se mostrará maior do que nós.

2 de fevereiro de 2015

Um jovem cronista

Jornal O Estado do Maranhão

          Um jovem cronista, com meros 22 anos de idade, publicou em 10 de novembro de 1861, no “Diário do Rio de Janeiro”, primeiro jornal de circulação diária no Brasil, fundado pelo português Zeferino Vítor de Meireles, e que circulou de 1º de junho de 1821 a 1878, com interrupção entre 1859 e 1860, crônica com referências a pessoas e fatos de alguma forma ligados ao Maranhão. A convite de Quintino Bocaiuva, redator-chefe do “Diário”, dirigido por Saldanha Marinho, ele havia iniciado colaboração no jornal no ano anterior. Seu nome era Machado de Assis, naquela altura conhecido por seus companheiros de jornal e amigos mais próximos como Machadinho.
          No primeiro parágrafo: “Vagou uma cadeira no senado. É a que pertenceu ao eleito por Mato Grosso João Antônio de Miranda, que acaba de falecer, levando consigo a experiência e o conhecimento do egoísmo de um partido político.”, afirmação mais válida ainda nos dias de hoje do que então, decorridos 153 anos. Quem era João Antônio? Presidente das províncias do Ceará (1839-1840); Pará (1840); e Maranhão (1841-1842), onde fundou a Casa dos Educandos Artífices, inaugurada em 25 de novembro de 1841; senador por Mato Grosso (1855-1861); deputado geral pelo Maranhão (1843-1844); Rio de Janeiro (1850-1852 e 1853-1855). Ele sucedeu, na presidência da Província, o marquês de Caxias, após este ter debelado a Balaiada, e foi o único entre os presidentes no Império a se casar aqui mesmo, segundo a terceira edição do “Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão”. Na época quase todos eles vinham de outras províncias.
          O antecessor do marquês foi Manuel Felizardo de Sousa e Melo. Sobre ele, que parece não ter feito jus ao próprio nome, pois não foi feliz em algumas de suas iniciativas no serviço público, dizia Machado: “Um outro candidato [à vaga senatorial] [...] não fará concorrência, porquanto, depois de ter naufragado em dois diques, no do Maranhão e no do Rio de Janeiro, não quer arriscar-se a fazer uma figura triste neste país, que é o das lindas figuras.”
          É que Felizardo, como ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, fora responsável pela construção do dique da Ilha das Cobras. Nove dias depois de inaugurada, a obra teve de ser esvaziada devido ao mau funcionamento de um equipamento. A referência a outro dique é uma ironia machadiana. Felizardo, como presidente do Maranhão (1839-1840), não conseguira conter (daí a ideia de dique) os rebeldes da Balaiada, tendo passado a Caxias a presidência em fevereiro de 1840.
          A última crônica de Machado, com menções ao Maranhão, em sua longa carreira de cronista, saiu na “Gazeta de Notícias”, em 14 de fevereiro de 1897, 36 anos depois da de 1861. Raro foi o ano, nesse período, em que não tenha falado do Maranhão e sua literatura. Citou também casos curiosos, como o dos proprietários de escravos em Bacabal. Eles declararam sem validade em seus domínios a extinção da escravidão; ou o caso, na cidade de Viana, da santa, cuja imagem chorava.
          Essa constância durante tão longo tempo mostra a genuína admiração de Machado pelos maranhenses, em especial pela literatura de Gonçalves Dias, a quem mencionou diversas vezes em seus escritos, tendo revelado, certa vez, na “Gazeta de Notícias”, de 5 de novembro de 1893, a primeira vez que viu o poeta na redação do “Diário do Rio de Janeiro”: “[...] ali entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me dissessem o nome; adivinhei quem era. Gonçalves Dias [...]. Ouvia cantar em mim a famosa Canção do exílio”. Tinha também grande amizade pelo maranhense Joaquim Serra, sobre quem escreveu, na “Gazeta de Notícias”, em 5 de novembro de 1888, uma de suas mais belas crônicas, quando o amigo faleceu.
          Essa foi uma época em que as letras maranhenses tinham merecida fama. A decadência econômica instalada, principalmente na segunda metade do século XIX, por aqui, em muito diminuiu, com defasagem temporal, seu brilho. Isso tem levado muitos estudiosos a lamentar a perda dessa Idade de Ouro, que tem alimentado mitos de origem nobre entre nós.

1 de fevereiro de 2015

Com as próprias mãos


Jornal O Estado do Maranhão

          Em crônica de 19 de outubro de 2009 neste jornal, quando eu presidia a Academia Maranhense de Letras, encargo que, com muita honra, desempenhei em 2008, ano do centenário da Casa, e em 2009, dei notícia da programação a ser desenvolvida pela AML até dezembro e citei, junto com outros eventos, a realização de palestra por Sálvio Dino, nosso confrade na Casa, no dia 30 do mesmo outubro, em comemoração dos cem anos de nascimento do saudoso acadêmico Antenor Bogéa, ocupante, ali, da Cadeira No.1. O palestrante nomeou sua apresentação como “Do Grajaú ao Cume da Intelectualidade”, mesmo título de livro organizado recentemente por ele, contendo, além do texto da palestra, compilação de outros do próprio homenageado no livro, na parte intitulada “Pérolas Literárias”. Na parte seguinte, “Testemunhos”, ele incluiu um escrito de Maria Sebastiana Bogéa Thomé, filha de Antenor, sobre seu pai, bem como apreciações de pessoas que o conheceram, como Celso Barros Coelho, membro da Academia Piauiense de Letras e da Academia de Letras História e Ecologia de Pastos Bons; Milson Coutinho, José Carlos Sousa Silva, Sebastião Moreira Duarte e Benedito Buzar, todos da AML; e Edomir Oliveira, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Por fim, na parte chamada “Homenagens”, Sálvio colocou texto de Antenor, de agradecimento pelo título de Professor Emérito a ele conferido pela Universidade Federal do Maranhão, e uma notícia da imprensa de São Luís a propósito do lançamento de seu livro “Encontro com o passado”, em 1982. No “Anexo” o organizador do livro disponibilizou a reprodução de alguns documentos pessoais de Antenor e diversas fotos, além de dele oferecer aos especialistas na área do Direito o trabalho de cunho técnico-jurídico “Periculosidade: Sua Aferição e Consequências Penais”.
          Dou todas essas informações a fim de deixar claro ao leitor o esforço de Sálvio, não restrito ao livro, de recuperação, para as gerações atuais e vindouras, do nome de Antenor Bogéa. Tenho repetido frequentemente que um homem de cultura como este pode ter duas mortes. A primeira, material, da qual nenhum de nós escapará. A segunda, a morte da memória de quem, em razão de seus dotes intelectuais, tem, necessariamente, de ter preservado seu legado, evitando que sua inestimável contribuição ao pecúlio comum da alta cultura de nossa sociedade não resulte empobrecido e diminuído, caso não levemos a sério a tarefa de sua preservação. É para evitar esta segunda morte, pois evitável ela é, a luta de Sálvio.
          Ele está fazendo justiça com as próprias mãos, em um sentido elevado, claro, e continua fazendo pesquisas e levantamentos sobre Antenor Bogéa, em diversas fontes, do que resultará, com certeza, algo capaz de colocar o nome do penalista maranhense entre os grandes do pensamento jurídico nacional. Penso, ao refletir sobre este caso, no destino da obra do grande poeta Bandeira Tribuzi. Caso ele não seja dado a conhecer à crítica e ao público de hoje por meio de sua obra completa, em edição bem cuidada, com estudo crítico introdutório por um grande nome nacional, feliz sugestão oferecida pelo poeta Luís Augusto Cassas, tenderá a cair no esquecimento. Essa trajetória já teve início e tende, pela força da inércia, a seguir adiante inexoravelmente, se nada for feito.
          Iniciativas como essa de Sálvio, de não deixar morrer um homem de extraordinário cultura e imenso saber, mostra fielmente uma das características mais evidentes de sua personalidade, a generosidade, mas, também, revela a consciência que tem da importância de se resguardar a memória dos grandes homens de uma comunidade. Cada vez que se livra um deles da ameaça do esquecimento, que equivale à morte irreversível, estamos em verdade ajudando a construir um monumento à vida do espírito, como o fazem os povos civilizados em todo o mundo. Nada é mais eficaz contra a barbárie que nos ameaça no mundo de hoje.
          Parabéns a Antenor Bogéa (digo assim porque ele continuará a viver) e parabéns a Sálvio Dino por essa obra de salvação cultural.

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