2 de fevereiro de 2015

Um jovem cronista

Jornal O Estado do Maranhão

          Um jovem cronista, com meros 22 anos de idade, publicou em 10 de novembro de 1861, no “Diário do Rio de Janeiro”, primeiro jornal de circulação diária no Brasil, fundado pelo português Zeferino Vítor de Meireles, e que circulou de 1º de junho de 1821 a 1878, com interrupção entre 1859 e 1860, crônica com referências a pessoas e fatos de alguma forma ligados ao Maranhão. A convite de Quintino Bocaiuva, redator-chefe do “Diário”, dirigido por Saldanha Marinho, ele havia iniciado colaboração no jornal no ano anterior. Seu nome era Machado de Assis, naquela altura conhecido por seus companheiros de jornal e amigos mais próximos como Machadinho.
          No primeiro parágrafo: “Vagou uma cadeira no senado. É a que pertenceu ao eleito por Mato Grosso João Antônio de Miranda, que acaba de falecer, levando consigo a experiência e o conhecimento do egoísmo de um partido político.”, afirmação mais válida ainda nos dias de hoje do que então, decorridos 153 anos. Quem era João Antônio? Presidente das províncias do Ceará (1839-1840); Pará (1840); e Maranhão (1841-1842), onde fundou a Casa dos Educandos Artífices, inaugurada em 25 de novembro de 1841; senador por Mato Grosso (1855-1861); deputado geral pelo Maranhão (1843-1844); Rio de Janeiro (1850-1852 e 1853-1855). Ele sucedeu, na presidência da Província, o marquês de Caxias, após este ter debelado a Balaiada, e foi o único entre os presidentes no Império a se casar aqui mesmo, segundo a terceira edição do “Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão”. Na época quase todos eles vinham de outras províncias.
          O antecessor do marquês foi Manuel Felizardo de Sousa e Melo. Sobre ele, que parece não ter feito jus ao próprio nome, pois não foi feliz em algumas de suas iniciativas no serviço público, dizia Machado: “Um outro candidato [à vaga senatorial] [...] não fará concorrência, porquanto, depois de ter naufragado em dois diques, no do Maranhão e no do Rio de Janeiro, não quer arriscar-se a fazer uma figura triste neste país, que é o das lindas figuras.”
          É que Felizardo, como ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, fora responsável pela construção do dique da Ilha das Cobras. Nove dias depois de inaugurada, a obra teve de ser esvaziada devido ao mau funcionamento de um equipamento. A referência a outro dique é uma ironia machadiana. Felizardo, como presidente do Maranhão (1839-1840), não conseguira conter (daí a ideia de dique) os rebeldes da Balaiada, tendo passado a Caxias a presidência em fevereiro de 1840.
          A última crônica de Machado, com menções ao Maranhão, em sua longa carreira de cronista, saiu na “Gazeta de Notícias”, em 14 de fevereiro de 1897, 36 anos depois da de 1861. Raro foi o ano, nesse período, em que não tenha falado do Maranhão e sua literatura. Citou também casos curiosos, como o dos proprietários de escravos em Bacabal. Eles declararam sem validade em seus domínios a extinção da escravidão; ou o caso, na cidade de Viana, da santa, cuja imagem chorava.
          Essa constância durante tão longo tempo mostra a genuína admiração de Machado pelos maranhenses, em especial pela literatura de Gonçalves Dias, a quem mencionou diversas vezes em seus escritos, tendo revelado, certa vez, na “Gazeta de Notícias”, de 5 de novembro de 1893, a primeira vez que viu o poeta na redação do “Diário do Rio de Janeiro”: “[...] ali entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me dissessem o nome; adivinhei quem era. Gonçalves Dias [...]. Ouvia cantar em mim a famosa Canção do exílio”. Tinha também grande amizade pelo maranhense Joaquim Serra, sobre quem escreveu, na “Gazeta de Notícias”, em 5 de novembro de 1888, uma de suas mais belas crônicas, quando o amigo faleceu.
          Essa foi uma época em que as letras maranhenses tinham merecida fama. A decadência econômica instalada, principalmente na segunda metade do século XIX, por aqui, em muito diminuiu, com defasagem temporal, seu brilho. Isso tem levado muitos estudiosos a lamentar a perda dessa Idade de Ouro, que tem alimentado mitos de origem nobre entre nós.

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