10 de junho de 2007

Delírio na Venezuela

Jornal O Estado do Maranhão
Só o Partido dos Trabalhadores, em sua paranóia anticapitalista, seria capaz de propor a cassação da licença da Globo, concernente a serviços de transmissão de televisão, concessão do Poder Público. Digo mal, pois não é só o PT; também o MST, uma tal Central de Movimentos Populares e assemelhados. A proposta surgiu após o fechamento da RCTV por Hugo Chávez, da Venezuela, oportunidade em que o PT deu uma nota de apoio ao ato.
Alega o caudilho venezuelano que a emissora participou de tentativa de golpe contra ele. Ora, a televisão Venevisión, na época oposicionista, do magnata Cisneros, coordenadora de fato da rebelião – anteriormente, lembremos, Chávez havia tentado seu próprio golpe –, mudou de lado, passou a ser bem tratada e adotou ardor oficialista de recém-convertido. Portanto, o crime da RCTV não foi o de ter apoiado o golpe antes, mas de ser contra o governo agora, quando se ouvem ameaças de fechamento da Globovisión, outra organização divergente.
Segundo o PT, que não vive no cotidiano a falta de liberdade em nosso vizinho que segue acelerado rumo ao caos econômico e ao social, a RCTV é a “TV Globo de lá” e apenas uma “minoria opositora” é contrária à violência oficial. Gostariam de fazer o mesmo no Brasil, proposta reveladora de profundo espírito democrático.
Essa turma está correta num certo sentido: impedir o funcionamento da televisão, a de maior audiência lá, é como proibir, aqui, o funcionamento da Globo. Só que, enquanto alguns grupelhos achariam a proibição perfeita para a democracia proletária, de triste memória nos países onde foi adotada, o restante da sociedade brasileira a rejeitaria.
Acham que as “liberdades burguesas”, como a de não concordar com regimes auto-intitulados de esquerda, de ir contra o populismo e a tentativa de implantação de um sistema político autoritário, de ser a favor das liberdades individuais, são crimes de lesa-pátria.
A fim de evitar a condenação do abuso pelo Brasil, o presidente Lula invoca a pretensa conformidade das medidas contra a RCTV à legislação local, esquecendo-se, só para ficar no exemplo mais conhecido, que Hitler também agiu dentro da lei, quando se tornou primeiro-ministro. As semelhanças entre os dois ditadores não ficam só nisso, porquanto ambos, antes de chegar ao poder pelas vias legais, fracassaram em tentativas de golpe de Estado. Lula, infelizmente, foi muito mais longe. Disse que não renovar a concessão foi tão democrático quanto uma eventual renovação. É uma forma distorcida, mas, vamos dizer, autêntica de ver as coisas de parte de um presidente autêntico.
Os acontecimentos na Venezuela não dizem respeito tão-só a ela. Se não por uma questão de princípio, pelo menos porque o país faz parte do Mercosul como membro pleno desde julho de 2006, na primeira nova adesão ao bloco desde sua criação em 1991 pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, durante a presidência Sarney. Há, entre suas cláusulas constitutivas, uma de exigência de funcionamento pleno da democracia no sistema político dos sócios, condição ausente da Venezuela hoje. Veja-se a modificação na Constituição com a finalidade de nela incluir dispositivo que permite a reeleição de Chávez sem limite, aprovada por um Congresso dócil, mas compensado com benesses governamentais, algo parecido com um mensalão ao estilo chavista.
O povo de lá não terá sequer o consolo de viver num regime de força com a triste compensação de bons resultados na economia, pois há sinais de desorganização do sistema produtivo, com fortes pressões inflacionárias e ameaça de desabastecimento.
A culpa de tudo não pesará nos verdadeiros responsáveis, mas nos sabotadores capitalistas, inimigos da pátria do “socialismo do século XXI”, seja lá o que esse perigoso delírio signifique.

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