17 de agosto de 2008

Ouvidores e juízes

Jornal O Estado do Maranhão

Mílson Coutinho, que lançará na próxima sexta-feira, dia 22 de agosto, às 20 horas, na Academia Maranhense de Letras, à rua da Paz, em mais um evento comemorativo do Centenário da Casa de Antônio Lobo, depois da bela sessão solene da última sexta-feira, em homenagem à fundação da Casa, o livro Ouvidores-gerais e juízes de fora: livro negro da justiça colonial do Maranhão (1612-1812), costuma se dizer um mero repórter de coisas antigas, lembrando de seu tempo de militância na imprensa maranhense. Este livro prova, mais uma vez, ser essa auto-avaliação parte da insuperável e sincera modéstia de Mílson. Mais de uma vez eu já disse, ao apreciar outras obras do autor, que poucos pesquisadores de nossa história têm faro tão aguçado para, indo às fontes primárias e embrenhando-se no aparente caos de milhares de documentos, deles extrair uma narrativa não verdadeira, num sentido ingênuo, pois sabemos que o estabelecimento da “verdade” passa pelo filtro ideológico ou de interesses pessoais dos cronistas da história, mas verossímil, essência da boa narrativa histórica ou de qualquer natureza. Pois é isso que mais uma vez fica evidente ao leitor atento. Louvando-se principalmente no acervo documental do Catálogo dos manuscritos avulsos relativos ao Maranhão existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, Mílson estabelece pioneiramente a crua história dos representantes do sistema jurídico colonial português no Maranhão num período de 200 anos, até quase a Independência. Emerge da leitura de Ouvidores-gerais e juízes de fora, um retrato não tanto da natureza do sistema de justiça e administração coloniais nesta parte da América portuguesa, mas especialmente de como, dadas certas condições sócio-políticas, certo ambiente, o ser humano é capaz de se comportar em relação a seus semelhantes, revelando o torpe e baixo nele existente, embora se reconheça ser ele capaz igualmente de gestos nobres que, segundo um ceticismo radical, não passa de atitude interessada da qual não se sabe ainda a motivação, consciente ou inconsciente. Não existiria nunca gesto desinteressado? Ouvidores e juízes de fora, homens de “elevada cultura jurídica e humanística”, como assinala o autor, foram presos, deportados de volta ao Reino, excomungados por bispos arbitrários envolvidos nas paixões terrenas locais, expulsos da magistratura por governadores que ainda lhes faziam ameaças e os desterravam para regiões insalubres no interior do Estado, devendo-se ter em mente que as autoridades que dessa forma os castigavam não eram muito piores do que os punidos. Estes, apesar de suas próprias faltas, sofriam sem possibilidade de defesa na colônia e à revelia de formalidades legais ou de preocupações com as aparências. Governadores houve famosos pela desonestidade e arbitrariedade de suas decisões, atributos que os igualavam aos membros da magistratura perseguida por eles. A distância dos centros decisórios em Lisboa, a decadência de Portugal e a conseqüente escassez de recursos materiais para a manutenção e boa administração de seus domínios, a cultura patrimonialista portuguesa, o absolutismo então reinante, tudo isso contribuía para a caótica situação político-administrativa. A pretensão de Mílson não é de modo algum oferecer grandes linhas de interpretação da história do Maranhão, neste aspecto particular da atuação dos magistrados, pela utilização de abrangentes teorias da história, de qualquer linha de pensamento. É de desentranhar de uma rica documentação uma narrativa coerente num estilo caracteristicamente jornalístico com traços de uma oralidade própria do agradável conversador que ele é. O livro comemora os 195 anos de criação do Tribunal de Justiça do Estado, que dessa forma se associa às festividades da AML.

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