18 de fevereiro de 2007

O Maranhão em Machado

Jornal O Estado do Maranhão

Já se afirmou acertadamente que a obra de Machado de Assis é inesgotável em suas implicações de toda ordem e sempre proporcionará um ângulo novo de análise ou um achado inesperado ao estudioso. J. Galante de Sousa, em Fontes para o estudo de Machado de Assis anota, para o período que vai de 1857 a 1957, cerca de 1.890 itens referentes a todo tipo de estudos a seu respeito. Jean-Michel Massa, somente para o ano de 1958, no seu Bibliographie descriptive, analytique et critique de Machado de Assis, nos dá outros 713. De lá para cá, esses números não pararam de crescer. Mais recentemente Ubiratan Machado em Bibliografia machadiana, cobriu os anos que vão de 1959 a 2003 e acrescentou mais 3.282 . São várias as razões para esse sucesso de crítica. A principal, penso eu, está no sentido verdadeiramente universal de sua obra literária na abordagem dos eternos temas do sentido trágico da vida e inevitabilidade da morte, das frustrações amorosas e da impossibilidade de verdadeira comunicação entre os seres humanos, do egoísmo e da vaidade, do jogo de aparências e de interesses, do bem e do mal, dos pequenos heroísmos e das grandes baixezas, tudo num estilo preciso, de sabor clássico e popular ao mesmo tempo, oral e exato. O fascínio da arte de Machado vem, assim, tanto da forma como da substância do seu trabalho, razão por quê a ação destrutiva do tempo não pôde fazê-lo voltar ao pó, senão fisicamente. Hoje – a quase 170 anos de seu nascimento a 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, e a quase 100 de sua morte a 29 de setembro de 1908, na cidade onde nasceu, – a admiração dos leitores é ainda mais intensa e crescente do que o foi no seu tempo, a despeito das vozes discordantes que sempre houve e haverá. Não será exagero comparar tal destino, no que ele evidencia a capacidade que tem Machado de dialogar com as sucessivas gerações, ao de figuras universais como Dante, Cervantes, Shakespeare e Camões. Machado tinha forte ligação intelectual e sentimental com o Maranhão, o que pode ser exemplificado pela profunda admiração que tinha por Gonçalves Dias e pela sua amizade com Joaquim Serra, apenas um ano mais velho do que ele. Em muitas outras crônicas ele faz referências a pessoas e coisas do Maranhão. Em uma crônica de 5 de novembro de 1893, recorda a primeira vez que viu o poeta maranhense, na redação do Diá rio do Rio: “Entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me dissessem o nome; adivinhei quem era. Gonçalves Dias! Fiquei a olhar, pasmo, com todas minhas sensações e entusiasmos da adolescência. Ouvia cantar em mim a famosa “Canção do Exílio’”. Quase 30 anos depois desse encontro a admiração continuava a mesma, senão maior. De Joaquim Serra disse em 1888, em bela crônica: “Quando há dias fui enterrar o meu querido Serra, vi que naquele féretro ia também uma parte de minha juventude. Logo de manhã relembrei-a toda. ... recolhi-me à memória de outro tempo, fui reler algumas cartas do meu amado amigo”. A morte do amigo maranhense o levou a externar publicamente sentimentos de que, até em sua vida pessoal, não se tem muitas notícias. Curiosamente há similaridade evidente entre certas características da sociedade maranhense ainda hoje e a ideologia do favor, vista, por modernas análises da obra de Machado de Assis, como uma importante referência interpretativa. Projeto interessante, embora de realização difícil, seria a edição de um livro, agora que nos preparamos para os cem anos da morte de Machado no próximo ano, que contivesse todas as crônicas em que Machado se refere ao Maranhão, cuidadosamente anotadas, para dar ao leitor de hoje condições de entendimento de referências de época.

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