17 de setembro de 2006

Sem dúvidas

Jornal O Estado do Maranhão


No Maranhão existem coisas, dizem, que só acontecem aqui, levando a situações cômicas, trágicas ou tragicômicas, pelo seu inusitado e inesperado. Todas as culturas, pela própria natureza do fenômeno cultural, conforme se pode ver de sua definição como “padrões explícitos e implícitos de comportamento [...], adquiridos e transmitidos por meio de símbolos, e que constituem as realizações características de grupos humanos”, dos antropólogos A. L. Kroeber e C. Kluckhohn, têm suas peculiaridades. Devemos vê-las, portanto, com boas doses de paciência e compreensão.
Há um caso, aqui em São Luís, contado com certa freqüência em algumas rodas sociais. É o do Cristo que, numa peça teatral de bairro, durante a Semana Santa, açoitado para valer, num realismo fora de hora de atlético centurião, largou a cruz, não tão pesada assim, investiu furioso contra o surpreso romano, tomou-lhe o açoite das mãos e, para divertimento da platéia, gritou: “Tu tá é no sério?”. O açoitado passou a açoitador e a Paixão de Cristo quase virou Cristo sem Compaixão.
Não sei se isso de fato ocorreu, se foi mesmo em São Luís ou se é, apenas, parte de um pecúlio comum pertencente ao folclore de diversas regiões brasileiras. De qualquer modo, a história poderia servir como exemplo de nossas singularidades. Por isso, não é surpreendente ver nestas eleições, no Maranhão, algo inédito com relação à eleição do chefe do Executivo.
Considere por um momento, caro leitor, ou caro eleitor, o seguinte. Em toda disputa eleitoral de cargos majoritários, a oposição sempre apresenta vários candidatos e o governo apenas um. Esse é um padrão universal de comportamento político. Uma das razões, talvez a principal, dessa unidade num lado e divisão no outro, é a forte motivação dos partidos que já estão no governo com respeito à manutenção do poder. Eles percebem os perigos decorrentes da divisão entre eles, capaz de levá-los à derrota, como aconteceria na hipótese do lançamento de várias candidaturas.
A oposição, por sua vez, ou melhor, as oposições – pois na maioria das ocasiões, mas nem sempre, há mais de uma –, embora tenham a motivação para a tomada democrática do poder, padecem da síndrome da desconfiança, pela qual cada uma raras vezes confia nas outras. A primeira dificuldade aparece logo na escolha de um nome de consenso.”Por que fulano e não eu? Depois de eleito, ele nos dará a parte do bolo que merecemos?”. Resulta disso tudo esta realidade: as oposições nunca vencem, vence uma delas isoladamente.
No governo, a realidade é outra. O exercício do poder testa a confiabilidade das pessoas. Todos conhecem todos depois de algum tempo e avaliam comportamentos com precisão.Os acordos aí, e, portanto, a unidade, são, dessa forma, mais fáceis de obter do que entre os opositores.
Pois essa lógica instintiva foi rompida no Maranhão. O atual governo dividiu-se e diz apoiar três postulantes ao cargo de governador, enquanto o outro lado – quero dizer o de peso, não o dos partidos nanicos – tem apenas Roseana Sarney como candidata. Claro, a administração anterior dela e seu carisma pessoal a tornaram muito forte eleitoralmente, conforme as pesquisam indicam. Mas, o insólito da atitude governamental confundiu seu próprio eleitorado potencial. Afinal, quem o preferido de verdade? Ninguém sabe. Onde todo mundo é pretendente, ninguém o é. O certo é que Roseana segue favorita há poucas semanas da eleição.
A história da carochinha de que as pesquisas não refletem a preferência do eleitorado é apenas o que os americanos chamam de wishful thinking, pensamento pelo qual tendemos a crer na concretização de nossos desejos profundos. Vamos aguardar a última pesquisa, a das urnas eleitorais. Aí não restarão dúvidas e o resultado não ficará na dependência de liminares.

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