4 de novembro de 2007

Arte Cazumbá

Jornal O Estado do Maranhão
Não surpreenderá o sucesso que a Companhia Cazumbá, Teatro e Dança faz no Brasil e no exterior a quem vir amostras de seus espetáculos, como vimos na semana finda, vários confrades da Academia Maranhense de Letras, no Centro de Cultura Cazumbá, na rua da Manga, no bairro do Portinho, ao lado de outros convidados do teatrólogo, coreógrafo e escritor Américo Azevedo Neto, diretor do grupo, com décadas de paixão pelas artes no Maranhão e ocupante também de uma cadeira da AML. As instalações foram reformadas, novos equipamentos de som e iluminação foram montados, e exposição e venda de livros e discos de escritores e músicos maranhenses bem como peças de artesanato estão agora permanentemente à disposição do público. A Companhia disporá daqui por diante de aprimorada infra-estrutura e atualizada tecnologia de palco. Os espetáculos, quando não estiver excursionando, serão sempre às quartas-feiras. O trabalho, um dos mais consistentes, persistentes e inteligentes no mundo da dança e teatro brasileiros, conta com o apoio, desde 2003, da Petrobrás, por meio dos mecanismos da Lei Rouanet, de apoio à cultura no Brasil. O grupo anda pelo Brasil e mundo. Já esteve em Santos, apresentando-se no Teatro Municipal Brás Cubas; em Passo Fundo, na 21ª Feira do Livro; no Rio de Janeiro, no Circo Voador, em 2006, quando comemorou 1.000 apresentações em excursões; em Capina Grande, na Paraíba, no Festival de Inverno; em Curitiba, no Teatro HSBC; em Diadema, no Centro Cultural Diadema; em Fortaleza, no Anfiteatro Sérgio Motta - Dragão do Mar; em João Pessoa, no Teatro Ariano Suassuna; em quase todas as capitais brasileiras e na França, abrindo o Festival de Dança de Lyon. Num mercado como o nosso, com oportunidades de emprego limitadas, em particular no campo das artes, a existência de uma companhia como essa, utilizando em tempo integral 47 pessoas, entre artistas e administradores, força de trabalho mais numerosa do que a da maioria das empresas do Estado, é sinal de competência administrativa e artística e da força de nossa cultura, capaz de produzir espetáculos tão belos em meio a muitas dificuldades, mas se mantendo sempre de pé, sustentada por suas profundas raízes na terra, como neste caso. Mas, afinal, o que é a Cazumbá? Vamos defini-la pelo que não é. Como Américo repete à exaustão, não é um grupo folclórico. Utiliza, sim, temas do folclore (do bumba-meu-boi, tambor de crioula, péla porco e outros) sejam de raízes africanas, européias ou indígenas, como matéria prima, processando-os com inventividade. Estiliza-os, transformando-os em criações originais. Pode-se identificar pelo visto no palco – é de manifestações feitas ao ar livre em suas origens, mas depois levadas ao palco, de que estamos falando – os motivos populares inspiradores dos espetáculos, mas sente-se em tudo coisas novas e belas. Não fizeram diferente, muitas vezes, grandes nomes da literatura mundial ao aproveitar o folclore de suas culturas com o fim de produzir obras de alcance universal. Fiquemos tão-só no exemplo russo: Púchkin, fundador da moderna literatura russa, utilizou canções da poesia popular medieval russa em suas composições. Tchaikóvski fez algo semelhante na música clássica. Esse processo de recriação com originalidade, de incessante renovação estética, é feito por artistas o tempo todo. Os assuntos tratados artisticamente, são em verdade poucos, pois tudo sobre o homem com suas angústias e alegrias já foi dito, desde que o primeiro teve um minuto de ócio na luta pela sobrevivência e pôde levantar a vista, olhar para o infinito do universo e refletir sobre o finito de sua própria vida. Arte é precisamente dizer de forma nova e com renovado vigor o dito há muito tempo. É isso o que vem fazendo há 34 anos a Companhia Cazumbá. E muito bem.

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