19 de setembro de 2010

Vamos estudar



Jornal O Estado do Maranhão


     A educação, como tema de campanha nas atuais eleições, não tem sido objeto de sérias, consistentes e necessárias discussões. A história nos mostra não haver sociedades modernas que tenham alcançado o desenvolvimento, em todas as dimensões implícitas nessa palavra, sem um sistema educacional capaz de dar a seus cidadãos condições não só de apresentarem respostas adequadas às necessidades da economia no mercado de trabalho como de proporcionar-lhes o desfrute de condições materiais que lhes permitam a busca da felicidade e o exercício do direito à vida e à liberdade, livres do medo e da opressão. A Coreia é um exemplo de país que em pouco mais de uma geração transitou da pobreza à riqueza por conta, principalmente, de uma revolução educacional. Falo da Coreia capitalista e democrática, não da outra, sob ditadura comunista.
     Vejo na imprensa o ranking das melhores universidades do mundo. Entre as dez melhores, sete são dos Estados Unidos e entre as vinte, quinze também o são. Entre as duzentas melhores, o país tem as 72 mais bem colocadas, ou mais de um terço, entre elas a de Notre Dame, onde estudei economia em fins dos anos 70 e início dos 80. Ela aparece na 36ª posição entre as americanas, digo com satisfação e orgulho.
     A primeira colocada, Harvard, foi fundada em 1636. Seis dos nove membros que compõem a atual Corte Suprema se formaram lá, na Escola de Direito, bem como seis presidentes, entre eles John Kennedy e Barak Obama. Seus pesquisadores ganharam 43 Prêmios Nobel em quase todas as áreas de conhecimento. As segunda, terceira, quarta e quinta no ranking são também dos Estados Unidos: Instituto da Califórnia de Tecnologia (a Caltech), onde se encontra o Laboratório de Propulsão a Jato, da Nasa; o Instituto de Massachussets de Tecnologia (o MIT); Stanford, também na Califórnia; e Princeton. Não por acaso, o país é o que é.
     A Inglaterra vem a seguir, com 29, a Alemanha, 14, a pequena, em extensão territorial, Holanda, 10, o Canadá, 9, a Austrália, 7, China, Suíça e Suécia, 6, Escócia e Japão, 5, Coreia do Sul, Hong Kong, França e Taiwan, 4, completando o grupo dos 15 primeiros.
A dominância dos Estados Unidos é avassaladora. A diferença entre eles e a Inglaterra, segunda colocada, é de 43 universidades, número maior em quase duas vezes o próprio número de instituições dos ingleses. Todos os continentes têm pelo menos uma entre as duzentas melhores, exceto o continente americano do México até a Argentina. O país mais bem classificado nessa América excluída da boa educação universitária foi o Brasil, com a USP, situada tão somente na 232ª colocação. A África tem uma no G-200, na África do Sul. Aqui...
     Qual a explicação para tão pífio desempenho? Os americanos investem 3,1% do seu PIB no ensino superior, a maioria em universidades privadas. A União Europeia, na média de seus membros, chega a 1,5%, menos, como se vê. Daí, a diferença a seu desfavor. No Brasil o investimento é ainda mais baixo, 0,9% do PIB. Contudo, só dinheiro não resolve, quando a corrupção é endêmica.
     O ensino brasileiro se expandiu muito nas últimas décadas, mas sua qualidade caiu muito. Os alunos saem da escola sem saber ler, escrever e fazer as operações aritméticas básicas e entram nas universidades sem condições de aprender nada, na hipóteses de lá ensinar-se alguma coisa de verdade. As públicas se partidarizaram, transformaram-se em repartições públicas, burocratizaram-se e vivem perdidas em eternas assembleias, greves, reuniões de conselhos. Estes compõem numerosas instâncias decisórias que as paralisam. Na raiz de alguns desses males, está o maléfico sistema de escolha dos reitores, em eleições diretas. Sem ter a capacidade de fazer milagres, como Paulo Coelho, eles se transformaram em tristes rainhas da Inglaterra, sem a pompa britânica.
     Sem educação de excelência, o eventual crescimento de nossa economia cedo atingirá o limite imposto pela ignorância e seu propagadores, hoje pré-requisito para o sucesso na vida. Assim, a classe operária não chegará ao paraíso nem a lugar nenhum.

5 de setembro de 2010

Vale Tudo?


Jornal O Estado do Maranhão
    
Estamos acostumados a pensar em eleições como ocasião de os cidadãos, após análise do pensamento dos candidatos, na forma exposta em suas propostas de políticas públicas, tomarem decisões acerca de quem desejam como representantes no Executivo e no Legislativo, mas, infelizmente, não no Judiciário. O mecanismo de escolha é a realização periódica dos pleitos pelas democracias, mas não pelos paraísos terrestres dos trabalhadores como a Coreia.
     Como o uso do cachimbo põe a boca torta, não percebemos que se dá exatamente o contrário. Nos dias atuais, as eleições representam oportunidade de os candidatos sondarem o pensamento dos eleitores e, aí sim, declararem suas irremovíveis convicções, semelhantes, por mera coincidência, às dos cidadãos. É a hora de chamar os especialistas e, de posse dos resultados de pesquisas, prometer ao eleitor exatamente o nestas identificado. Qualquer coisa. Inverte-se, assim, a direção do processo. Quem devia liderar passa a liderado.
     Essa característica de nosso sistema representativo não é intrinsecamente ruim. É natural e compreensível os candidatos desejarem conhecer o pensamento dos eleitores. Mas, o papel do político  numa democracia não devia ser, sobretudo, de liderança? De indicação de novos caminhos, quando a maioria persistir em seguir a humana tendência do menor esforço e máximo benéfico quase sempre em direção do desastre, em especial nas áreas em que, sem análise cuidadosa, quase todos não conseguirão ver a conexão entre benesses de curto prazo e elevação exponencial de custos no longo, como no sistema de previdência?
     Em qualquer levantamento sobre os benefícios desejados pela população, os mais evidentes e custosos ficarão no topo da preferência. Terá de haver, no entanto, alguém para dizer ao povo não ser possível satisfazê-las simultânea e imediatamente, a menos que se queira levar o país ao caos, porque não se inventou ainda o milagre da produção de dádivas sem custo e, como se sabe, manás não caem do céu. Churchil, grande estadista, prometeu aos ingleses não uma vitória fácil na Segunda Guerra Mundial contra o nazismo então forte e triunfante na Europa. Em vez disso, advertiu sobre os sacrifícios  necessários à ocasião. A bonança, só depois da tempestade. E liderou e venceu e não foi liderado. Se devêssemos seguir tão só as pesquisas, não haveria necessidade de termos político humano. Bastaria eleger um computador político. Bem programado, ele aplicaria os resultados dos levantamentos na campanha eleitoral. Os candidatos, hoje, dizem pensar apenas o que eles pensam que os eleitores pensam.
     Como disse em sua crônica semanal na Folha de S. Paulo, no dia 27 do mês passado, o nosso decano na Academia Maranhense de Letras, o ex-presidente da República e senador José Sarney: “O resultado do conjunto das pesquisas orienta as manipulações: hora de bater, de informar, de distorcer, de exaltar, de alegrar, hora da razão, da emoção. [...] e, por trás de tudo, a turma do dossiê, ‘da maldade’, que, conjugada com os jornalistas de investigação, vivem à cata do fato sujo, do escândalo, do provérbio da politicagem ‘onde não tem rabo a gente põe’”. A qualquer momento, alguém irá propor a sério uma democracia sem eleições, só na base desse instrumento de aferição de opiniões momentâneas. Hoje se ganham e se perdem eleições de véspera e o derrotado morre como um pobre e embriagado peru de Natal.
     A respeito de dossiês contra adversários políticos, neste momento em que o aparelho estatal é usado com o fim de confeccioná-los sem nenhum pejo, devemos pensar nisto: a se entranhar em nossa vida política tal costume, a ponto de ninguém mais ser tomado de indignação, amanhã, se ainda tivermos democracia, quando a oposição de hoje for governo e repetir esse comportamento, o governo de hoje terá séculos para se arrepender, mas nada poderá fazer. O vale-tudo já terá deitado raízes e seremos, os cidadãos comuns ou os opositores em geral, e não apenas os pretendentes a governantes, as vítimas da prática nefasta.
     Onde iremos parar assim? Queremos ser uma grande Cuba?

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