20 de outubro de 2002

Machado e o Maranhão

Jornal O Estado do Maranhão 
Era freqüente a citação de escritores e coisas do Maranhão por Machado de Assis, nos seus artigos na imprensa do Rio de Janeiro. Jean-Michel Massa, autor de A juventude de Machado de Assis, observando essa ocorrência, ao coligir e anotar várias crônicas de Machado para os Dispersos de Machado de Assis, tentou explicá-la dizendo haver uma benevolência do escritor carioca com o Grupo Maranhense e o Estado, por causa de sua amizade com Joaquim Serra.
No entanto, conforme argumentei há meses, aqui, melhor explicação está na admiração de Machado pelo talento do Grupo. Na época, o Rio de Janeiro era ainda uma cidade provinciana, embora experimentasse um acelerado crescimento. O Maranhão, por seu lado, gozava de prestígio literário em todo o Império, em boa parte originado no surto de crescimento econômico desde o final do século XVIII. Assim, não deveria causar surpresa um escritor do Rio de Janeiro admirar os maranhenses, a ponto de mencioná-los repetidas vezes.
Independentemente, porém, desses motivos, as referências são interessante. Uma das mais curiosas foi a de um morador de Viana, feita em 1864, no dia 11 de setembro, no Diário do Rio de Janeiro. O vienense vira, ou imaginara ver, lágrimas nos olhos de uma imagem de Santa Teresa. Machado deixa escapar uma ponta do ceticismo que, com o passar dos anos – ele tinha, então, 25 anos – se tornaria mais acentuado e amargo, ao comentar: “Fora longe se continuasse a referir estas ocorrências que puseram em alvoroço os crédulos vianenses.”
No dia 7 de março de 1865, no mesmo jornal, ele dá uma boa notícia. Os manuscritos dos dramas Beatriz di Cenci e Boabdil, de Gonçalves Dias, considerados perdidos, haviam aparecido. Incomum foi o modo como foram encontrados. Sua viúva, Olímpia da Costa Gonçalves Dias, colocara um anúncio pedindo a entrega de qualquer papel do poeta maranhense que pudesse estar em mãos de particulares. Machado diz que, vinte e quatro horas depois, um escravo estivera na casa de Olímpia e lhe entregara uma caixa contendo os dramas bem como várias poesias dele e alguns de seus trabalhos sobre educação pública. Em seguida, desaparecera. Afirma, também, ter a imprensa do Maranhão dado a notícia antes da do Rio.
A notícia seria retificada pela viúva, conforme a crônica do dia 21, do mesmo mês de março. A devolução se dera, em verdade, somente cinco dias depois da colocação do anúncio, tendo sido noticiada primeiramente pela imprensa carioca, a 5 de fevereiro. Machado atribui seu erro, quanto ao número de dias decorridos até a entrega, à imprensa do Maranhão, mas admite ter se equivocado a respeito da prioridade da imprensa do Maranhão.
Haverá melhor dia para comentar uma sátira com o título O dia de Finados do que o próprio Dia de Finados? Machado o fez em 1877, na Ilustração Brasileira. Depois de alguns comentários sobre essa peça do maranhense Artur Azevedo, ele acrescenta que num ponto o autor havia ido longe demais, quando mostra uma jovem mulher, abatida pela dor da morte do marido, casando-se novamente um ano depois. “A culpa não é da viúva, é da lei que rege esta máquina, lei benéfica, tristemente benéfica, mediante a qual a dor tem que acabar, como acaba o prazer, como acaba tudo. É a natureza que sacrifica o indivíduo à espécie”. Bem machadianas, essas observações.
Em 1888, Machado narra, em 21 de maio, na Imprensa Fluminense, poucos dias, portanto, após a Abolição da Escravatura, um fato passado em Bacabal. A lei da libertação fora obedecida em todo o Império, menos naquela cidade. Diz que, se morassem no Maranhão alguns ex-escravos do Rio de Janeiro que, alforriados anteriormente, adquiriram seus próprios escravos, menor seria sua melancolia pela perda destes, pois, sendo ex-senhores, agora, depois da Lei Áurea, não deixariam de ser ex-escravos. Seu comentário: “Bem diz o Eclesiastes: Algumas vezes tem o homem domínio sobre outro homem para desgraça sua. O melhor de tudo, acrescento eu, é possuir-se a gente a si mesmo”.

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