15 de janeiro de 2012

Sem Culpa



Jornal O Estado do Maranhão

          Não sei se o leitor já notou a ausência de culpados morais no Brasil de hoje. De alto a baixo da escala social, dos mais ricos e influentes aos mais pobres e desamparados ninguém é culpado de nada. Pergunto apenas de forma retórica, pois sei da perspicácia de quem me lê, que não pode, a respeito do assunto, deixar de utilizar sua própria avaliação.
          Os influentes, bem, os influentes são... influentes e tem todo o dinheiro necessário à compra dos serviços de bons e matreiros advogados capazes de, no caso de seus clientes serem flagrados com a boca na botija – roubando recursos públicos por exemplo –, livrá-los dos curtos braços da abundante e confusa legislação penal brasileira. Minhas observações ignoram esses e tratam dos outros.
          Suponha o indefeso leitor que, estando no conforto e aparente segurança de sua residência, uma quadrilha de jovens assaltantes surge inesperadamente na sala onde você está assistindo a seu programa de TV favorito (coisa bem classe média e “burguesa”, no linguajar, vamos dizer, dos maconheiros da USP). Os bandidos humilham você e sua família, ameaçam matar todo mundo em meio a palavrões, levam todos os seus pertences com valor no mercado negro e fogem rapidamente, depois de pegar seu filho pequeno e ameaçar jogá-lo pela janela do nono andar.
          Em casos como esse, você não deve se revoltar e exigir providências imediatas das autoridades de (in)segurança. Em nome do “politicamente correto”, fique quieto. Exigir, a seus bens e sua vida, a proteção efetiva do Estado, que a nega até a juízes ameaçados pela bandidagem, é apenas revelar suas tendências autoritárias e fascistoides. Sem emocionalismos pequeno-burgueses, você deve parar e refletir sobre a história daqueles injustiçados: infância miserável, com ensino público de baixíssima qualidade, famílias desestruturadas, sem oportunidade de trabalho e por aí vai. As condições iniciais de vida encontradas por essas pessoas justificam uma espécie de jogo de compensação. Suas ameaças à vida civilizada apenas equilibram a disputa antes desfavorável a eles. Deve ser coisa do tal Direito encontrado nas ruas.
          Essa fantasia, infelizmente, prevalece em grande parte da grande imprensa do Brasil, em meio a muitos setores da sociedade e, naturalmente, é parte essencial do pensamento de todas as correntes e subcorrentes do PT, partido atualmente no poder no Brasil. As escolhas morais das pessoas não contam, uma vez que se pode atribuir a uma entidade etérea, chamada de “sistema”, as responsabilidades por crimes individuais. Quantos pobres escolhem esse caminho? Proporcionalmente, pouquíssimos, pois é nenhuma a relação de causa e efeito entre pobreza e criminalidade. A decisão individual por afrontar o ordenamento legal, porém, serve paradoxalmente à colocação nos criminosos do selo de vítimas do “sistema”, justificativa suficiente para incentivá-los à continuação na carreira de malfeitores. Coitadinhos, merecem compreensão, já sofreram tanto!
          Do ponto de vista das liberdades individuais, tal pensamento é nefasto. A democracia é o império das leis legitimamente estabelecidas. Passar a mão na cabeça dessa gente é descumpri-las e, assim, enfraquecer a vida democrática. Se for assim, melhor mudá-las para algo como: “Art. 1º - O portador de traumas resultantes da pobreza poderá matar, roubar, estuprar, cheirar cocaína, fumar craque e o que mais desejar. Art. 2º - Os outros ficam proibidos de agir da mesma forma. Art. 3º – Revogam-se as disposições que possam atrapalhar o fiel cumprimento desta lei.”
           Consequência mais perigosa ainda do vitimismo, de que o PT é entusiasta, é a ideia de que a alternativa à “legislação burguesa injusta” é desprezar sua mudança ou revogação por meios legais e, em seguida, obter o monopólio do poder e, dessa forma, de todo o sistema legal, em benefício de um partido político, intérprete único da “vontade do povo”. É o coletivo a eliminar a individualidade. No mundo real, milhões de pessoas foram assassinadas pela fome ou fuzilamento sumário em nome dessa utopia totalitária, por regimes socialistas.

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