29 de setembro de 2013

Hoje Maligno, Amanhã Benigno

Jornal O Estado do Maranhão

          Vejam como são as coisas. Algo nefasto um dia, no seguinte é elogiado como benfazejo, ou vice-versa, sem a necessidade de mudança do avaliador. Lembram-se da veemência da condenação de alguns anos
atrás, pelo PT, à privatização de empresas do governo em setores importantes da economia brasileira? Virou um mantra falar sobre a venda do “patrimônio dos brasileiros”, pertencente, de fato, aos burocratas que o administravam e dele se aproveitavam. Foi um deus nos acuda. O governo de então virou um desprezível vendilhão da pátria e foi acusado de cometer “privataria”, perigosa doença antinacionalista empobrecedora do Brasil.
         O tempo passou, a telefonia, por exemplo, foi privatizada e hoje existem tantos celulares quanto gente, ou mais, no Brasil. Alguém acredita que nas mãos da burocracia estatal, com toda sua ineficiência e cultura da corrupção, as famílias de baixa renda teriam hoje telefone celular, recurso tecnológico com papel relevante na vida de todo mundo? Aos jovens que não viveram aquela época é bom saber: conseguir um linha exigia do sujeito ser um figurão do governo ou conhecer as pessoas importante nele. Algumas destas, ainda por aí, poderão contar a história.
          Na siderurgia havia o fetiche do “setor estratégico”. A estatal Vale não poderia passar às mãos da iniciativa privada. Era privatizar e no dia seguinte ver o Brasil dominado pelo capital internacional. Com a privatização a empresa, além de deixar de ser cabide de empregos, passou a pagar em impostos várias vezes o que rendia em dividendos aos ávidos cofres estatais e a atuar com muito mais eficiência econômica, eliminando sua contribuição à distorção na alocação de recursos da nossa economia. Seus acionistas, em contraste com o acionista estatal, passaram a receber dividendos decentes por seu capital aplicado na empresa.
          Na infraestrutura de transportes – estradas, ferrovias, aeroportos, hidrovias e portos – já foi crime de lesa-pátria falar em privatização, em pedágios e coisas afins. Não passaria então pela cabeça de um esquerdista bem falante, que um governo petista pudesse, como vem fazendo, privatizar, ou tentando, estradas. Pode estar no modelo de concessão, contaminado por ideias estatistas, a falta de desinteresse de importantes concessionários potenciais, como sua ausência nos leilões recentes de privatização evidencia. Mas, pelo menos deram a mão à palmatória e privatizações não são mais um monstro a ser abatido.
          A bem da verdade, considere-se isto. Nem o atual nem outro governo qualquer, de qualquer orientação, disporá de recursos no volume ideal a fim de realizar os investimentos inadiáveis em infraestrutura, necessários a nosso crescimento. Há muitas vinculações orçamentárias estabelecidas na Constituição, como nos setores de educação e saúde. O sobrante, após todas as deduções, não chega a 10% do total do orçamento, quase nada diante das exigências de investimentos. Desse modo, diminui-se a possibilidade de o governo ter uma política fiscal flexível, adaptável aos imperativos cambiantes da economia. As despesas de custeio se tornam quase inteiramente incomprimíveis e só aumentam.
          Mas, isso de tentar impor à força certas medidas econômicas, acontece também na política monetária, não só na fiscal ou nas privatizações. Vejam-se os juros. O Executivo, podando a autonomia do Banco Central, impôs sua redução voluntariosamente, cego aos riscos inflacionários. Teve de recuar e resignar-se a dar mais autonomia ao BC. Os juros voltaram a aumentar em seguida até quase os mesmos níveis do período pré-baixa. Por fim, capitais especulativos (não se dê a esta palavra nenhuma conotação de ordem moral) até pouco tempo atrás execrados como um mal, são saudados agora como a salvação da pátria em seu papel de ajudar no fechamento de nossas contas externas e no controle da inflação pela valorização do real frente ao dólar, embora com resultados negativos sobre a indústria brasileira como consequência, com o real fortalecido, da entrada de importações baratas e da dificuldade de exportação de produtos brasileiros mais caros.

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