6 de julho de 2003

Coisa de mulher

Jornal O Estado do Maranhão  
Futebol é coisa pra homem. Ou assim dizem os homens. De fato, se olharmos unicamente para o aspecto físico do esporte, pode ser que possamos descobrir uma pitada de verdade nessa afirmação. Esse é um jogo de muito contato físico entre seus praticantes. Cada vez mais, o vigor desempenha nele um papel decisivo, podendo fazer a diferença entre vitória e derrota, glória e crucificação.
Entendam-me, porém. Não quero dizer que a habilidade dos jogadores não conta. Não é isso. Para poder mostrar seu talento, no entanto, o jogador hoje em dia tem de ter, como primeiro e mais importante pré-requisito a um bom desempenho, um excelente condicionamento físico.
Uma olhada nas velhas fitas de vídeo da Copa do Mundo de 1970, para ficar num exemplo caro ao torcedor brasileiro, irá nos mostrar a diferença entre a velocidade e força utilizadas nos jogos daquela época e nos de hoje. Lembro de Gérson pegar uma bola no meio de campo, com todo o tempo do mundo para olhar a quem lançá-la com perfeição e graça. Atualmente, ele não teria tempo nem de levantar a cabeça e provavelmente estaria no chão em poucos segundos, pensando ter sido atropelado por um trem carregado de minério de ferro. Para o jogo chegar a ser tão rápido e vigoroso como no presente, o preparo físico teve de ser aperfeiçoado, permitindo a elevação constante da competitividade das competições.
Mas, isso tudo não faz do futebol um esporte proibido às mulheres. Evidência disso é a sua popularidade nos Estados Unidos, o Brasil do futebol feminino em competições internacionais. Aliás, ele é chamado de “soccer” pelos americanos e não de “football”, nome usado pelos ingleses e pelo resto do mundo. Ademais, esse argumento acerca da suposta limitação física das mulheres poderia ser usado em relação a qualquer outro esporte. A conclusão lógica seria, então, de as mulheres não poderem participar de nenhuma competição de contato, porque todas exigem grande esforço físico e músculos sólidos!
Admitamos, por um raciocínio manco, que as mulheres não tenham mesmo a capacidade de praticar o futebol. Em um caso, porém, exigente também em termos de condicionamento físico, elas são extremamente capazes. É na direção dos jogos. Foi o que se viu no domingo passado na disputa entre o São Paulo e o Guarani, pelo campeonato brasileiro. O trio de arbitragem não era formado de juiz e bandeirinhas, mas de juíza e bandeirinhas femininas. Não vou fazer comentários sobre o agradável aspecto estético da novidade, a fim de não ser acusado de machista. Melhor é falar delas e de seu desempenho em meio àquele bando de marmanjos.
Sílvia Regina Carvalho era a juíza e Aline Lambert e Ana Paula Oliveira as bandeirinhas. Esta última, por sinal, recusou uma generosa oferta de suas revistas masculina para pousar nua. Diz que prefere aparecer com a bandeirinha na mão. Mas, não seria possível ela matar dois coelhos de uma só cajadada, posando nua com uma bandeirinha na mão? Ela poderia faturar uns trocados extras e, ao mesmo tempo, manter-se fiel à profissão.
Eu atribuo a excelente atuação desse trio na partida de domingo à admirável capacidade de atenção a detalhes das mulheres. Na marcação de impedimentos, por exemplo, essa aptidão é de extraordinária valia. Acho também que, por serem muito mais realistas do que os homens, o que não equivale a falta de romantismo da parte delas, não se iludindo facilmente, as mulheres não se deixam enganar pelas encenações, velho hábito dos jogadores brasileiros. Outra qualidade feminina, a de saber comandar sem dar a impressão de fazê-lo, ajudou a levar a partida sem problemas até o seu final.
Mas, como nem tudo são as flores recebidas no início do jogo, elas saíram de campo vaiadas pela torcida do Guarani, por causa de dois gols corretamente anulados, e protegidas pela polícia à saída do estádio.
Seja como for, é possível que alguns teimosos continuem a falar de futebol como coisa de homem exclusivamente. Mas terão de dizer também que seu comando é coisa de mulher.

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