1 de fevereiro de 2015

Com as próprias mãos


Jornal O Estado do Maranhão

          Em crônica de 19 de outubro de 2009 neste jornal, quando eu presidia a Academia Maranhense de Letras, encargo que, com muita honra, desempenhei em 2008, ano do centenário da Casa, e em 2009, dei notícia da programação a ser desenvolvida pela AML até dezembro e citei, junto com outros eventos, a realização de palestra por Sálvio Dino, nosso confrade na Casa, no dia 30 do mesmo outubro, em comemoração dos cem anos de nascimento do saudoso acadêmico Antenor Bogéa, ocupante, ali, da Cadeira No.1. O palestrante nomeou sua apresentação como “Do Grajaú ao Cume da Intelectualidade”, mesmo título de livro organizado recentemente por ele, contendo, além do texto da palestra, compilação de outros do próprio homenageado no livro, na parte intitulada “Pérolas Literárias”. Na parte seguinte, “Testemunhos”, ele incluiu um escrito de Maria Sebastiana Bogéa Thomé, filha de Antenor, sobre seu pai, bem como apreciações de pessoas que o conheceram, como Celso Barros Coelho, membro da Academia Piauiense de Letras e da Academia de Letras História e Ecologia de Pastos Bons; Milson Coutinho, José Carlos Sousa Silva, Sebastião Moreira Duarte e Benedito Buzar, todos da AML; e Edomir Oliveira, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Por fim, na parte chamada “Homenagens”, Sálvio colocou texto de Antenor, de agradecimento pelo título de Professor Emérito a ele conferido pela Universidade Federal do Maranhão, e uma notícia da imprensa de São Luís a propósito do lançamento de seu livro “Encontro com o passado”, em 1982. No “Anexo” o organizador do livro disponibilizou a reprodução de alguns documentos pessoais de Antenor e diversas fotos, além de dele oferecer aos especialistas na área do Direito o trabalho de cunho técnico-jurídico “Periculosidade: Sua Aferição e Consequências Penais”.
          Dou todas essas informações a fim de deixar claro ao leitor o esforço de Sálvio, não restrito ao livro, de recuperação, para as gerações atuais e vindouras, do nome de Antenor Bogéa. Tenho repetido frequentemente que um homem de cultura como este pode ter duas mortes. A primeira, material, da qual nenhum de nós escapará. A segunda, a morte da memória de quem, em razão de seus dotes intelectuais, tem, necessariamente, de ter preservado seu legado, evitando que sua inestimável contribuição ao pecúlio comum da alta cultura de nossa sociedade não resulte empobrecido e diminuído, caso não levemos a sério a tarefa de sua preservação. É para evitar esta segunda morte, pois evitável ela é, a luta de Sálvio.
          Ele está fazendo justiça com as próprias mãos, em um sentido elevado, claro, e continua fazendo pesquisas e levantamentos sobre Antenor Bogéa, em diversas fontes, do que resultará, com certeza, algo capaz de colocar o nome do penalista maranhense entre os grandes do pensamento jurídico nacional. Penso, ao refletir sobre este caso, no destino da obra do grande poeta Bandeira Tribuzi. Caso ele não seja dado a conhecer à crítica e ao público de hoje por meio de sua obra completa, em edição bem cuidada, com estudo crítico introdutório por um grande nome nacional, feliz sugestão oferecida pelo poeta Luís Augusto Cassas, tenderá a cair no esquecimento. Essa trajetória já teve início e tende, pela força da inércia, a seguir adiante inexoravelmente, se nada for feito.
          Iniciativas como essa de Sálvio, de não deixar morrer um homem de extraordinário cultura e imenso saber, mostra fielmente uma das características mais evidentes de sua personalidade, a generosidade, mas, também, revela a consciência que tem da importância de se resguardar a memória dos grandes homens de uma comunidade. Cada vez que se livra um deles da ameaça do esquecimento, que equivale à morte irreversível, estamos em verdade ajudando a construir um monumento à vida do espírito, como o fazem os povos civilizados em todo o mundo. Nada é mais eficaz contra a barbárie que nos ameaça no mundo de hoje.
          Parabéns a Antenor Bogéa (digo assim porque ele continuará a viver) e parabéns a Sálvio Dino por essa obra de salvação cultural.

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