12 de dezembro de 2010

Sapo, queijo, nada


Jornal O Estado do Maranhão

Eu morei 10 anos em Brasília onde, entre muitas coisas boas de sua concepção urbanística, há um sistema de endereços capaz de permitir a alguém de fora, sem experiência prévia com a cidade, uma orientação fácil, sem perda de tempo e sem necessidade de perguntas a ninguém no meio da rua. Bastam explicações sucintas sobre a lógica do sistema, tarefa de não mais de cinco ou dez minutos. Falo especificamente do Plano Piloto.
A cidade foi concebida na forma de avião e construída sobre dois grandes eixos, referências fundamentais dos endereços. O eixo maior é o corpo, ou charuto, do avião. Na extremidade na direção leste, está a cabine do piloto, com a Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Na outra, a oeste, uma grande Torre de TV, o Memorial JK, o Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal e diversos órgãos públicos. Entre os extremos estão os prédios dos ministérios e a catedral de Brasília. Cruza este eixo, mais ou menos na metade, outro, na direção norte-sul, como asas de um avião. Na intercessão, a primeira rodoviária do Distrito Federal que, de terminal interurbano, transformou-se em terminal de integração de transporte urbano.
A asa direita (lembremo-nos da posição da cabine) é a Asa Sul e a esquerda, a Asa Norte. A área de moradia está sobre estas ou estava exclusivamente, antes da expansão do Plano Piloto em relação ao projeto original de Oscar Niemeyer.
O sistema é cartesiano porque qualquer ponto na área delimitada por uma linha imaginária de ligação dos pontos extremos dos eixos, formando, com as linhas dos próprios eixos, um quadrilátero com os quatro quadrantes clássicos dos eixos cartesianos, está perfeitamente determinado, uma vez dadas as suas coordenadas. Por exemplo, eu morei na SQS 112. Tradução: SQ, Superquadra e S, Sul. Esta última informação me diz que o endereço é na Asa Sul. O SQ é a informação sobre o número da Quadra, que segue uma ordem numérica. Se partirmos das primeiras, próximas ao charuto, numeradas com o número dois (SQS 102 e SQS 302, esta atrás da primeira) e nos deslocarmos pela Asa Sul na direção de sua extremidade, veremos à nossa direita, ou lado oeste (W), as quadras SQS 103, SQS 104, SQS 303 e SQS 304, etc. – as duas últimas por detrás das outras – e à esquerda, ou lado leste (L), as SQS 203, SQS 204, SQS 403 e SQS 404, e dessa forma sucessivamente até as últimas quadras, SQS 116 e SQS 316, SQS 216 e SQS 416. Todo o raciocínio se aplica, espelhado, à Asa Norte. Isso é muito mais fácil de mostrar e entender com um desenho muito simples do que com palavras. É a velha luta com elas.
Dou essa volta toda por causa de uma história recente. Um empregado (ou colaborador, como é moda agora dizer?) de um centro de atendimento de uma operadora de telefonia (sempre elas) foi o causador de um mal entendido, transformado em piada na internet. Um cliente, necessitando da atualização do endereço de entrega de sua conta do apartamento novo, ligou para a telefônica. O atendente, nada de compreender o endereço e o significado de SQN 214. Será tão difícil assim, ver que N significa Norte? Quinze minutos de conversa e a coisa não desengatava. O consumidor pensou em algo parecido com o código fonético internacional em que cada letra é reconhecida pela inicial de uma palavra identificável no mundo inteiro. A letra S é representada por Sierra, Q por Quebec, N por November e assim por diante. Sem conhecimento seguro do assunto, o cliente utilizou outras palavras, assim: Sapo, Queijo, Nada, cujos iniciais são, como se vê, SQN. Pois bem, o sujeito da telefônica colocou como novo endereço Sapo Queijo Nada 214 e a conta foi enviada dessa maneira, felizmente com o CEP, informação suficiente para a correta entrega.
Haverá um custo tão alto assim, de treinamento dos empregados das operadoras, com a utilização de um simples mapa com o esquema de endereços de Brasília? A falta de preparação do seu pessoal será a razão de serem elas campeãs de reclamação nos órgãos de defesa dos consumidores?

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