Brasília, carnaval e futebol

Jornal O Estado do Maranhão
Houve um tempo em que todo mundo dizia que São Paulo era o túmulo do samba, como se nascessem sambistas somente no Rio de Janeiro. Sobre o futebol, a conversa ia além-fronteiras. Jogadores habilidosos, bons de bola, só os brasileiros. Os estrangeiros eram uns desajeitados, grossos de cintura dura. Como dizia minha mãe em seus arroubos patrióticos, eles eram selvagens, covardes e viviam dando pontapés nos nossos heróis da bola, modelos perfeitos do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda.
Mulher bonita, então, nem falar. A prova da beleza da mulher do nosso país era a garota de Ipanema. As mulheres dos outros – dos outros países, bem entendido – eram magricelas, reles branquelas sem graça e também grossas de cintura, literalmente. Parecia ser crença geral a superioridade genético do nosso povo, por insondáveis mistérios da natureza, justificando o ingênuo ufanismo nacional de então. Hoje todos reconhecem a excelência do samba de São Paulo. Sabe-se, ainda, de bons jogadores de futebol e de mulheres bonitas em qualquer lugar do planeta.
Dou essa volta toda para falar de algumas bobagens que são ditas contra Brasília, uma das mais belas cidades do mundo e das mais agradáveis para viver-se. São preconceitos semelhantes àqueles de antigamente, mas com os sinais trocados, autodepreciativos. A cidade não tem esquinas, vida noturna, nada. Trata-se, de fato, de uma cidade admirada universalmente e, contudo, lamentavelmente menosprezada aqui. Tornou-se o bode expiatório dos desacertos da classe política que procede, afinal de contas, de todo o Brasil.
No entanto, a cidade passa no teste crucial: o da opinião de seus moradores. Eles a amam e não querem sair de lá. Poucos símbolos no exterior contribuem tanto quanto ela para uma avaliação positiva dos brasileiros. Ela transmite uma boa imagem de nossa capacidade empreendedora, pois a erguemos do nada, no encanto luminoso do Planalto Central, para ser o emblema da nacionalidade. Ela é a síntese do bom e do ruim do país.
Chego à cidade na semana passada. Encontro nas folhas locais a notícia de uma proposta de proibição do carnaval. Os que não gostam da agitação carnavalesca poderiam isolar-se lá durante o chamado “reinado de Momo”. Sua Majestade perderia, portanto, sua jurisdição sobre esse pedaço do território nacional. A idéia foi de um deputado distrital. Querendo justificar sua remuneração generosa e não tendo muito a fazer, ele saiu-se com essa.
Aposto como isso é parte de uma conspiração para transformar o reinado de Momo na república de Momo. A cada ano, novos territórios sem carnaval seriam incorporados ao do Distrito Federal, até que todo o território nacional fizesse parte dessa república dos sem-folia. Aí então, o carnaval seria restabelecido. Teríamos, por fim, o presidente Momo no lugar do rei. Não sou contra a sugestão. Sou contra sua abrangência, que é pequena.
Por que proibir tão-somente o carnaval?  E o futebol? Muitas pessoas o odeiam, principalmente as que antigamente eram classificadas como do sexo frágil. Elas dariam tudo para se livrar da onipresença do nobre esporte bretão. Junto com a proibição da transmissão pela TV dos jogos para Brasília e, progressivamente, para todo o país, deveria impedir-se sua realização. Mais tarde, a exemplo do carnaval, a proibição seria levantada. O maior problema seria a gente se acostumar a chamar Pelé de presidente do futebol, em vez de rei do futebol.
Mas, para completar o pacote de proibições, seria conveniente aproveitar a idéia dos jogadores da Seleção de não deixar a torcida assistir a seus treinos por causa dos pedidos pela volta de Romário ao time. Sugiro que durante todos os jogos da equipe brasileira, telões sejam colocados à disposição dos torcedores, em volta do estádio. Os fãs não estariam muito distantes dos seus sensíveis ídolos, com a vantagem de não fazê-los nervosos com esses pedidos absurdos.
O difícil será convencer a Fifa a fazer o mesmo na Copa do Mundo.

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