11 de julho de 2004

Dieta e vaidade

Jornal O Estado do Maranhão 
Uma das grandes epidemias do mundo moderno é a obesidade, maior até do que a da aids. O problema, inicialmente das sociedades ricas, hoje está em toda a parte, mesmo nos países pobres. Lembro bem de minha chegada em janeiro de 1978 à cidade de South Bend em Indiana nos Estados Unidos, onde eu ficaria quase cinco anos e meio estudando economia, nas áreas de desenvolvimento econômico e organização industrial, e de meu espanto ao ver a grande quantidade de pessoas com excesso de peso naquele grande país excessivo em tudo. Imediatamente associei o fenômeno ao elevado nível de renda e aos maus hábitos alimentares dos americanos. Eu não imaginava que veria o mesmo aqui na minha volta ao Brasil em 1983. Atualmente em muitas regiões da África e em outras áreas de baixa renda média esse fenômeno ocorre de um modo peculiar. A imensa diferença entre os rendimentos dos pobres e dos ricos criou uma situação em que na mesma sociedade convivem pessoas esquálidas por causa da subalimentação, a maioria da população, com outras, a minoria, obesas devido à superalimentação.
Esse problema de saúde pública levou à propagação de livros sobre dietas de emagrecimento, de todo o tipo e para todo gosto e capacidade, que é sempre inesgotável nas pessoas, de acreditar em milagres, como os da televisão, nos espetáculos eletrônicos de expulsão de satanás que parece estar permanentemente nas mentes dos expulsadores, como se pode deduzir da obsessão com que falam nele.
Vejam esta curta lista. Emagreça naturalmente com a dieta da Lua, escrito por uma tal de Franziska Von Au. Como entra a Lua nessa história, a acreditar-se na autora? Não entra somente nas reações fisiológicas de quem segue a dieta, mas principalmente no poder calórico transmitido à alimentação. No quarto crescente as calorias dos alimentos crescem, no quarto minguante, mínguam. Então o negócio é comer somente nesta última fase. Há na internet um sítio que recomenda: “Quando a Lua mudar, passe 24 horas sem comer nada. Abuse só dos líquidos: água, chá, café, diet shake, iogurtes, sopas batidas. Com isso você perde 1 quilo por semana”. Evidentemente o emagrecimento ­­– temporário e perigoso é verdade, porém emagrecimento – não tem nada a ver com o jejum mas, sim, com a passagem de uma fase a outra da Lua e com a crença nos efeitos lunares e lunáticos dessas recomendações. Afinal, a fé remove montanhas.
Outros desse tipo são estes. A dieta do arco-íris; Dieta do amor: aprenda a gostar de si mesmo; O jejum como dieta opcional (além de perda de peso este promete o alcance de serenidade e sabedoria); Adeus às dietas, cujo autor já de saco cheio com as dietas antigas dá uma receita para acabar com elas. O melhor de todos, contudo, é Imagine-se magro. A história é a seguinte. O sujeito se prepara mentalmente para emagrecer. O corpo então responde com a diminuição da vontade de comer alimentos que engordam e com o aumento do desejo por aqueles com o efeito inverso. Tudo que se tem de fazer é um pequeno exercício de caminhar até o bar da esquina e pedir uma cervejinha bem gelada, acompanhada de um bom tira-gosto. Aí, é só mentalizar a perda de peso. É infalível. A fim de dar maior segurança aos resultados o autor ensina como identificar a “auto-sabotagem” e manter um diário do “pensar magro”.
Mas isso tudo resulta da necessidade de parecer esbelto, bonito e, se possível, inteligente. Como se lê em um livro bíblico: “Vaidade de vaidades, diz o Eclesiastes (o Pregador), tudo é vaidade”. Em verdade, em verdade vos digo, caro leitor, de louco e vaidoso todos temos um pouco, sendo certo que, dependendo de seu tamanho, a vaidade pode ser saudável ou patológica. Neste último caso se o doente for manso não se deve arrancá-lo de seus devaneios inofensivos.
A prova da importância da boa vaidade está numa obra de publicação recente, A Síndrome do Status: como sua posição social afeta nossa saúde e expectativa de vida, do epidemiologista britânico Michel Marmot, da University College London. Segundo o pesquisador há uma relação entre a posição na hierarquia social e a expectativa de vida, isto é, o status pode determinar o número de anos de vida de uma pessoa. Dinheiro, escolaridade e atendimento médico são apenas parte dos fatores com influência na longevidade. Vejo, finalmente, chegar-se a uma boa explicação para eterna briga por lucrativas posições sociais. Quanto mais bem colocado socialmente alguém estiver mais tarde irá morrer, bem velhinho, em perfeito estado de saúde. Todavia, quando a vaidade passa de certo limite e a luta por status se torna feroz o estresse originado aí sobre os indivíduos mais suscetíveis pode fazê-los viver menos e não mais.
Não seria o caso de, nesta situação, o estressado fazer a dieta da Lua em sua vaidade, curando-se do insidioso mal?

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