Galo de briga e galinha morta

Jornal O Estado do Maranhão

No início desta série sobre a Copa do Mundo, falei dos palpites dos especialistas de mesa-redonda de TV, que sempre tentam mostrar sapiência futebolística em suas pseudo-análises da Seleção. O que não fiz foi mostrar a ignorância empavonada dessa turma, disfarçada em pose de doutor. Um leitor atento e perspicaz, porém, sobre quem falei anteriormente, economista e poeta nascido no Piau, de mãe piauiense e pai maranhense, que há muito mora em Pernambuco, sendo, assim, de fato, um bom nordestino, Luiz Alfredo Raposo, me enviou e-mail com este comentário: “Lino, não pegue muito pesado nos ‘comentaristas’, o mais divertido neles é justamente a ignorância. Uma ignorância cheia de ‘razões’, fatos-e-fofocas, que tem uma notável paixão de se expressar. Um desses comentaristas no SporTV, chamado Paulo César (acho que é  o nome), é pequenino, usa um discurso castiço e veemente e tem uns olhos fundos e uns óculos que lhe dão a aparência de  um catedrático de Salamanca. Ah, essa turma com sua ignorância que não se conhece garante 24 horas de espetáculo durante as copas do mundo. Por isso é que é aquela farra...”.
Tem Luiz razão em falar no divertimento que eles nos oferecem. Afinal, a cobertura das Copas não teria essa engraçada caricatura de intelectualidade sem eles, que este ano me proporcionaram, além da diversão, a inestimável oportunidade de descobrir mais uma virtude do futebol brasileiro. Antes de jogarem contra o Brasil, algumas seleções têm jogadores “rápidos e perigosos, fortes, raçudos” e sempre um grande matador pronto a liquidar com as pretensões hegemônicas do Brasil. Contra essas equipes, é preciso ter cuidado ou sofrer terríveis conseqüências. Considerando-se tão intimidantes atributos, a necessidade de o time brasileiro melhorar é uma exigência para continuar na competição. Caso contrário, “vai ter muitas dificuldades” e “voltará mais cedo pra casa”.
Aí, vêm os jogos jogados, não os imaginados. A Seleção se descuida e acaba derrotando esses times maravilhosos.Uma jogada de sorte aqui, outra ali, uma discreta mãozinha ou mesmo mão grande do juiz (o Brasil manda na Fifa) e eis o gol, o orgasmo do futebol, duas ocorrências, – o gol e o orgasmo – cada vez mais raras hoje em dia, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Fica-se a imaginar de onde vem tanta sorte que faz um time tão ruim como o do Brasil vencer tanto.
O resultado disso é a transformação daqueles times. De galos de briga hábeis, capazes de amedrontar o inimigo, incapazes de desistir da luta e prontos a morrer por suas cores, tornam-se galinhas mortas globalizadas. O que era força, habilidade, perigo para os adversários, velocidade, transforma-se no seu oposto, em nada, em insignificância, tão logo perdem para o Brasil. É esse o milagre que só o futebol brasileiro faz: transformar galos em galinhas. Pelo menos é o que se tem de deduzir dos comentários desse pessoal. Tomemos Gana. Antes de jogar com o Brasil, era de meter medo, poderia derrotar os campeões do mundo. Depois, tornou-se um bando de pernas-de-pau, de acordo com os comentaristas.
Mas, eu não os culpo de todo, exceto pela ignorância. A memória é seletiva e constrói mitos com eventos de regiões ou passado longínquos. Isso os leva a pensar que as melhores seleções serão sempre as estrangeiras, distantes no espaço, ou, no máximo, as brasileiras de imaginada época de ouro, distante no tempo. É como dizia Sterne. Ninguém é herói aos olhos de seu criado de quarto. A mitificação exige distância.
De qualquer modo, jogo é jogo. Podemos ganhar ou perder, porém as maiores chances são nossas. Espero que neste domingo (escrevo na quinta-feira) já estejamos nos preparando para jogar com Portugal ou Inglaterra e não “voltando mais cedo para casa”.

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