Formigas, cobras e lagartos
Jornal O Estado do Maranhão
Quem nunca ouviu falar de nepotismo? É aquele irresistível hábito de dar emprego aos queridos parentes, tão velho quanto o mundo e muito popular entre dirigentes brasileiros e de qualquer lugar do mundo. Se alguém convocasse todos os seus beneficiários a comparecerem simultaneamente a seus supostos locais de trabalho, haveria uma grande confusão sócio-burocrática.
Atendida a convocação ao trabalho, a ninguém causaria surpresa a visão de processos destruídos, ou usados em finalidades menos nobres, de cinzeiros arremessados pelas salas, de subordinados agredidos, de chefes ameaçados, de gritos, choros, ranger de dentes, tiros, pedradas, socos e pontapés.
É que, segundo estudos científicos com ratos, desses de laboratório, não os de duas pernas e muitos braços com longas mãos, o aumento da densidade da população de uma área, como aconteceria nesse caso, provoca o rápido aumento da agressividade dos indivíduos que a formam. Vejam o potencial desagregador dessa prática!
Pois bem. Um estudo publicado recentemente pela Universidade de Helsinque mostra que a proteção aos parentes não é exclusiva dos humanos. As formigas – isso mesmo – as formigas, insetos chamados de sociais pelos cientistas, como o são as abelhas e os cupins, adotam também esse comportamento, com a diferença óbvia de não precisarem dar explicações a ninguém.
O objeto da investigação foi a Formica fusca. Diferentemente da maioria das outras formigas, essas têm em seus formigueiros duas rainhas, que são as únicas a procriar, como acontece com a rainha única das demais espécies. Essa dualidade é prenúncio de intrigas na vassalagem, constituída de operárias, pois, como é notório desde Adão e Eva, não se pode servir a dois senhores, e menos ainda a duas senhoras, ao mesmo tempo.
Ciente disso, um grupo de operárias, ao perceber seu parentesco com uma das rainhas e entre elas mesmas, por meio de processos químicos em seus corpos, passou a reduzir a quantidade de alimentos das que não eram suas parentas e a da própria soberana “adversária”. Procuravam servir, agindo assim, tão-somente a uma senhora. Resultado: a maioria das novas formigas que chegavam à idade adulta eram filhas da rainha privilegiada, isto é eram próximas dela geneticamente e, claro, das outras do grupo.
Esse procedimento faz parte de um mecanismo de evolução das espécies, a seleção por parentesco. Por certo, deu origem ao antigo “primeiro os meus, depois Mateus”. A explicação de alguns estudiosos do fenômeno é de que a luta de cada indivíduo pela sobrevivência é equivalente à luta para passar adiante seus genes. Se tal ocorrer de fato, então privilegiar os parentes seria uma forma de garantir a transmissão da herança genética às gerações seguintes.
Mas, não se pense que apenas as formigas comportam-se como nós, quando o interesse próprio está em jogo. Lagartos da Califórnia, de um tipo com o nome científico de Uta stansburiana, revelaram-se mais interesseiros do que as operárias, a ser correto um estudo da Universidade da Califórnia.
Reparem. As fêmeas da espécie mudam-se sistematicamente para o território dos machos menores, antes considerados babacas, tão logo eles se tornam “proprietários” de melhores áreas. Melhores aí quer dizer locais com mais rochas. Estas permitem aos seus “donos” regular a temperatura do corpo bem como evitar os predadores. As cobras, por exemplo, comilonas de lagartos, aparecem mais nos terrenos com uma quantidade menor de rochas. Conflito de cobras e lagartos.
Fica evidente, assim, serem essas condutas inatas nos seres vivos. Eliminá-las seria contrariar a natureza. Há melhores formas, porém, de lidar com elas. Quanto ao nepotismo, seguindo inversamente a moda atual de cotas mínimas para as minorias, uma cota máxima de nomeação de parentes poderia ser estabelecida. Teríamos algo como um parentômetro. Pelo menos haveria um limite conhecido ao emprego de parentes. O remédio para o outro caso, de cobiça material, está na consulta ao novo código civil brasileiro.
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