12 de julho de 2009

A Culpa de Sarney


Jornal O Estado do Maranhão

De que os adversários acusam José Sarney? Eu direi de que o acusam. Aqui no Estado, de ter inventado a pobreza. Um belo dia, aborrecido com o Eldorado maranhense, cansado de topar em cada esquina e a toda hora com milionários e bilionários, exibidos cidadãos orgulhosos de suas riquezas, Sarney decidiu inventar a pobreza maranhense. Povoe-se de pobres estas terras, decretou, sentença cujo eco até hoje reverbera.
Outros decretarão o esquecimento do marquês de Pombal. Como antigamente se sabia – pelo menos até o tempo em que se estudava a formação econômica do Estado –, esse poderoso ministro de d. José implantou aqui, como forma de garantir a Portugal a posse da região até então abandonada, um modelo econômico mercantilista que de fato atendeu os objetivos da Coroa Portuguesa no curto prazo, pois conseguiu incorporar o território ao domínio português. A economia gestada naquela época, último quartel do século XVIII, tinha como características: 1) o comando "de fora" e "para fora", pois nos especializamos em produtos tropicais de exportação dependentes de mercados no Mediterrâneo, no Mar do Norte e no Mar Báltico, sob o monopólio mercantil da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão; 2) um acanhado mercado interno, como resultado do escravismo; 3) alta concentração da renda pessoal da população livre, com poucas famílias detendo a propriedade dos fatores de produção, em especial da terra e da mão-de-obra escrava.
Os resultados iniciais, traduzidos num espetacular surto de riqueza durante boa parte do século XIX, se esgotaram a médio prazo. Em paralelo, suas características estruturais produziram efeitos negativos duradouros. Finda a demanda externa pelos produtos da plantation do Maranhão, passada a conjuntura externa favorável, tudo foi por água abaixo, levando consigo a riqueza de pés de barro. Ficaram a desigualdade e a injustiça social, como se pode ver das peculiaridades do modelo herdadas por sucessivas gerações de maranhenses e presentes até hoje em nossa sociedade. Dele provém nossa pobreza e não de Sarney, que muito fez e faz a fim de nos livrar dessas amarras.
Fora do Estado, no sul do país, de que acusam José Sarney? Vejam o paralelo irônico. Acusam-no também de ser inventor. Desta feita, da cultura política brasileira. O patrimonialismo, a cultura do favor, a confusão entre o público e o privado, o compadrio, o jeitinho brasileiro, talvez o maior de nossos defeitos, o nepotismo, conosco desde a Carta de Caminha, o poder desmesurado da burocracia, todos os vieses negativos de nossa formação política e sócio-cultural, tudo isso de repente foi inventado por Sarney. Quem no Senado pode atirar a primeira pedra? Curioso é Sarney não ter sofrido nenhuma acusação nas duas passagens anteriores dele na presidência do Senado. Antes não era culpado de nada. De tudo é agora!
Dizer isso não implica oposição às mudanças necessárias a nosso aperfeiçoamento institucional. Ao contrário. Elas são imperiosas, mas terão de ser de todos ou fracassarão. Muita coisa tem de ser mudada. Quase tudo em verdade. As distorções no Senado e em quase todas as instituições públicas brasileiras estão enraizadas em nossa cultura. A questão, como disse com rara felicidade o professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – Iuperj, Fabiano Santos, "passa a ser como enquadrá-las e como evitar o perigoso efeito da despolitização que uma sistemática onda de 'escândalos' pode causar. [...] Em nome da ética há uma politização excessiva de um processo que é em boa medida administrativo [...]". Aí está. O processo é administrativo, todavia está politizado contra Sarney.
As paixões políticas momentâneas, inclusive as ligadas à sucessão presidencial de 2010, têm tomado a dianteira em algo de caráter administrativo e que, afinal de contas, poderá resultar em mudanças positivas, há muito esperadas, para o Poder Legislativo e a sociedade. Esta será a beneficiária final da modernização que conseguirmos imprimir às instituições nacionais.

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