O Mínimo do Mínimo
Jornal O Estado do Maranhão
A imprensa costuma se referir à elevação anual da massa de salário proporcionada pela elevação do mínimo como equivalente ao crescimento do consumo global da economia. A Folha de S. Paulo recentemente deu em manchete: "Aumento do mínimo injeta R$ 21 bilhões e reduz crise", acrescentando que esse dinheiro todo ajudaria o setor de alimentos. De fato, o aumento do mínimo, a curto prazo, elevará a demanda por alimentos de parte das classes de renda mais baixas. O problema é saber se mais à frente essa demanda será mantida, ou seja, se o eventual aumento de hoje se manterá em termos reais pouco adiante.
Qualquer leitor atento, todavia, poderá fazer a pergunta óbvia: Se por um simples decreto relativo ao salário mínimo, foi possível ao governo "injetar" na economia aquela montanha de dinheiro, por que então não injetou logo, pelo mesmo decreto, R$ 42 bilhões, R$ 84 bilhões ou um R$ 1 trilhão, acabando de uma só canetada com a crise econômica? O leitor faria, então, uma segunda pergunta óbvia: Saiu do cofre de quem essa bolada? Foi o governo o criador desse dinheiro todo? Como?
Como qualquer estudante de economia do primeiro período saberá, apesar da péssima qualidade do nosso ensino universitário, se o custo de um serviço que o consumidor adquire se eleva e sua própria renda não, isto é, se o seu salário fica onde estava, então ele estará transferindo renda aos beneficiários dessa elevação, neste caso os trabalhadores de salário mínimo.
Tomemos como exemplo o vigia que o proprietário de um castelo em Minas Gerais, nem em sonho pertencente a um deputado corregedor da Câmara, paga com o fim de evitar assaltos ao imóvel. Afinal, ele não gostaria de dar 100 anos de perdão a ninguém. Se os rendimentos do dono do imóvel não aumentarem a fim de compensar o pagamento adicional que terá de fazer, então, na prática, ele irá transferir parte do que ganha ao vigia, ou diminuir sua poupança ou então abrir mão do serviço. Deixo de fora, em benefício da simplificação da exposição, os efeitos sobre os lucros e investimento das empresas.
A Folha quase acertou ao falar em crescimento da demanda por alimentos porque, em verdade, o efeito do aumento do mínimo se fará sentir por meio das propensões ao consumo das diversas classes de renda. Ela é de 1, para as de renda mais baixas, significando que aumentos de seu salário será consumido imediatamente e não poupado.
Como aquele estudante também saberá – sejamos bondosos e façamos a suposição –, o resultado final, em termos de aumento do consumo global, será determinado pela diferença entre a propensão ao consumo (igual a 1) desta última classe de consumidores e a propensão (menor do que 1) da classe de renda mais alta, que, como já vimos, terá parte de seus rendimentos transferida para outro grupo.
Em termos numéricos e de maneira simplificada, seria assim. Independentemente de qualquer alteração no salário mínimo, um fluxo de renda de R$ 21 bilhões das classes de renda mais elevadas não são gastos em sua totalidade, gerando - se a propensão delas a consumir for menor do que 1, digamos de 0,8 - um consumo de R$ 16,8 bilhões (propensão de 0,8 x R$ 21 bilhões). Se transferidos para os trabalhadores, após o incremento do mínimo, esses mesmos R$ 21 bilhões seriam agora gastos em sua totalidade, gerando, dessa forma não R$ 16,8 bilhões, mas R$ 21 bilhões de consumo (propensão de 1 x R$ 21 bilhões). Portanto o aumento adicional ou líquido no consumo global seria de R$ 4,2 bilhões (R$ 21 bilhões consumidos agora menos R$ 16,8 bilhões, anteriormente, antes da transferência induzida pelo aumento do mínimo). Significa dizer tão só 20% de R$ 21 bilhões. Assim, foram "injetados" no consumo parte relativamente pequena da "injeção". Foi apenas o mínimo do mínimo.
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