19 de junho de 2005

Uma Forcinha

Jornal O Estado do Maranhão    
Quando a humanidade tomou conhecimento da própria existência e percebeu estar no mundo, para o bem ou mal do restante da natureza, sempre ameaçada por sua presença, refletiu sobre a vida e concluiu que tudo tem um fim, ou, pior ainda, pode ter um fim antes do fim, como no caso da chamada potência masculina. Esta pode revelar sua finitude antes de o humano e finito viver propriamente dito terminar, possibilidade alarmante para os homens de nossa espécie e capaz de lhes causar aflição sem fim.
A raça humana, ou melhor, a sua metade masculina, carregou, durante milhares de anos de evolução, em alguns aspectos, e de involução, em outros, esse medo genuinamente infinito. Bendita seja a inconsciência dos outros animais, indiferentes a detalhes fisiológicos vulgares como esse. Finalmente, depois dessa verdadeira eternidade de angústia indescritível, de tormento insuportável, de tortura existencial indizível, o comprimido azul do viagra foi inventado, para alívio dos machos e desemprego e desespero de muitos psicólogos e psicanalistas.
O produto prometia dar uma forcinha ao desempenho sexual masculino, embora sem garantia de completa satisfação à parceira de alcova. Lamentavelmente, porém, as notícias, aparentemente surgidas do nada, mas, certamente parte de uma conspiração de algum capitalista sedento de lucro e ferido em seus interesses de magnata de sofisticada rede de clínicas de saúde mental, ou alguma associação de mães, de defesa da pureza das filhas (se isso ainda existe), diziam que aqueles comprimidos causavam problemas de saúde a seus (in)felizes usuários, chegando a matá-los do coração no campo de batalha, não apenas no sentido figurado de causar grande susto, mas no de tirar suas vidas.
O problema como se soube logo, não tinha nada a ver com o comprimido, porquanto estava em alguns dos seus ansiosos consumidores. A fim de testar a pau, na marra, a eficácia do remédio e recuperar sua já vacilante macheza, mesmo por meios artificiais, portadores de patologias previamente existentes, incompatíveis com o princípio ativo do viagra, precipitaram-se em experimentá-lo, saindo-se mal, em vez de bem, como esperavam. Aproveitaram-se disso os conspiradores, a fim de espalhar aquelas mentiras, com o fim de desmoralizar a novidade, mas sem sucesso. A acusação era de que o viagra podia até colocar potência num lugar bem definido da anatomia masculina, porém a retirava de outro, o coração, que, por falta de força para bem desempenhar sua função de bombear o sangue a todos os órgãos de nosso organismo, acabava parando, reduzindo a zero qualquer esperança de recuperação dos doentes.
Superado esse primeiro ataque traiçoeiro, surgem novos boatos, pois só podem ser boatos as notícias recentes. Desta vez, os inimigos não mais falam de ameaças à vida dos usuários, inventadas com base em supostos problemas cardíacos, e sim de cegueira, visto que a acusação hoje é exatamente esta: o remédio pode cegar. Muitos homens, no entanto, preferem ser conhecidos pelo politicamente incorreto termo “ceguinho”, em vez de “brochinha”. A coisa, portanto, é grave, muito grave.
Antes, a afirmação era direta: tomou, morre. Agora, há uma insinuação sutil. O paciente ficaria cego, no sentido de perder a capacidade de enxergar, mas ficaria cego também de desejo e não mediria as conseqüências de seus atos libidinosos, criando constrangimentos para ele mesmo, suas conhecidas e, até, desconhecidas desprevenidas. Ele ficaria dominado por uma espécie de força cega, no fundo expressão de fraqueza, segundo os detratores. Daí seria fácil concluir-se equivocadamente pelo perigo social do uso do produto.
Tudo por causa dessa campanha de difamação contra o esforço de superação de angústias existenciais dos pobres machos humanos.

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