12 de junho de 2005

Punição e Reforma

Jornal O Estado do Maranhão   
Alguém verá como novidade a existência de corrupção, conforme noticiado pela Veja, em organizações estatais como os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, operacionalizada com base em um arranjo pelo qual o PTB, por seu presidente, deputado Roberto Jéferson, exigia de seus indicados para cargos de direção nesses dois órgãos, e em outros, uma contribuição mensal de R$ 400 mil, ou anual de R$ 4,8 milhões?
Alguém fará ares de surpresa ante a revelação posterior, pelo acusado-acusador, mas não muito acuado, deputado, da existência de um “mensalão” de R$ 30 mil mensais, ofertório generoso do PT a diversos deputados do PL e do PP, da mal afamada “base aliada” do governo, mais aliada ainda de seus próprios bolsos, no Congresso Nacional, com o fim de garantir votos para a aprovação de matérias de interesse da administração do PT que, antigamente, batia no peito para demonstrar infinitas qualidades morais e reafirmar pretenso monopólio de todas as manifestações de certo “comportamento ético”, de que, quem sabe prevendo o sujo futuro de agora, nunca deu uma definição?
Alguém duvidará de que a crise é profunda e não representa, tão-só, tentativa da oposição de tirar proveito político da situação, embora se saiba que assim ela agirá, comportando-se, aliás, como o PT antes de chegar ao poder, provando mais uma vez a relatividade, do ponto de vista tanto da oposição quanto do governo, da ética tão propagandeada pelos dois lados?
Dirão alguns que o desejo de poder e a tendência a acumular riquezas por qualquer meio, lícito ou ilícito, enfim, o instinto da corrupção, é inerente ao ser humano e, portanto, que esse mal sempre existiu e sempre existirá em todos os governos e, igualmente, nas mais corriqueiras relações entre os seres humanos. Terão minha inteira concordância. Gente muito mais importante do que eu já disse com mais elegância, entre elas Machado de Assis, ser fácil, até, amar a espécie humana, mas não alguns de seus espécimes, ou a maioria deles, exatamente por causa dessa característica. Dessa forma, não se pode senão ser pessimista com relação aos humanos, especialmente quando se vê a corrupção de muitos políticos de quem se esperaria, como representantes do povo, comportamento exemplar.
No entanto, grande parte do processo civilizatório compõe-se justamente dos limites colocados a impulsos criminosos desse tipo que, deixados em livre e desimpedida atuação, nos levariam de volta às cavernas, ou, dito de outra forma, tornariam impossível a manutenção da sociedade civilizada. Desse modo, é revelador de má fé e de cinismo o argumento de ser inevitável a corrupção. Se o aceitássemos, deveríamos também cruzar os braços ante todos os outros crimes, como o assassinato, eterno acompanhante da humanidade desde tempos imemoriais, conforme nos lembra a metáfora de Caim e Abel.
Foi necessária a ocorrência de episódio desse gênero para finalmente surgir a idéia da discussão da reforma política, indispensável à eliminação da anarquia em nosso sistema político-partidário que quase obriga o presidente da República, incapaz de formar maioria estável e refém do Congresso, à prática do fisiologismo, porquanto as negociações, ali, para a aprovação de leis, não se dão com os partidos, mas com os congressistas individualmente, em torno de seus interesses particulares, por falta, entre outras coisas, de disciplina partidária. Infelizmente esse quadro é agravado, neste caso, pela incompetência do governo do PT.
Ameaças à governabilidade do país, sempre invocada pelos desejosos de abafar as investigações, são conversa fiada. Estaremos mais bem servidos pela apuração dos crimes do que por sua ocultação. O tratamento de choque moral contra os corruptos, sim, servirá aos interesses do Brasil.

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