Quem explica?
Jornal O Estado do Maranhão
Não é de hoje meu espanto com a fixação de certas figuras da política maranhense em José Sarney. Nada acontece no Maranhão, nenhum fenômeno ocorre, natural ou social, sem que Sarney seja invocado. Houve chuva demais ou não houve nenhuma, ventou muito ou a brisa parou de soprar? Vai ver foi Sarney. O sol queimou alguma pele sensível, a lua não apareceu, a safra quebrou, o preço subiu, a feijoada salgou? Foi Sarney. O pãozinho subiu, o café tá amargo, a manteiga rançosa? Sarney, Sarney e Sarney. Quanta homenagem!
Tive a oportunidade de dizer antes e repito. Idéia fixa como essa é uma forma de admiração – sabe-se lá por meio de quais misteriosos mecanismos da complexa psicologia humana ela surge –, de mesura disfarçada, de reverência enrustida, pois a criação de demônios equivale à criação de deuses. A campanha para a eleição de hoje está cheia de exemplos. Cito apenas um. Lula veio ao Maranhão, a fim de participar de um comício de apoio à senadora Roseana e pediu a seu eleitorado que votasse nela? Então ele, ingênuo como é, não se deu conta de seus próprios interesses políticos e se deixou convencer por Sarney. O presidente não queria vir, mas acabou cedendo. Haverá homenagem maior ao poder de convencimento, por eles desqualificado, no entanto uma das razões do prestígio nacional de Sarney, e ao ato de parlamentar com arte, essência da política e qualidade que faz a diferença entre o político merecedor desse nome e o de arremedo?
É de se indagar a origem política desse pessoal, informação que pode fornecer com certeza pistas sobre esse comportamento curioso. Não o farei, contudo, porque meu confrade da Academia Maranhense de Letras, José Chagas, antecipou com o brilhantismo de sempre a resposta em crônica do dia 21 passado, com o título de “As dores libertas dos libertadores”, quando lembrou o nascimento no berço e nas fraldas sarneysistas dos atuais “libertadores” do Maranhão. Podemos nos interrogar, porém, acerca das motivações deles. Quais seriam elas, tão terríveis assim, a ponto de levá-los a se voltarem com tanta violência e desejo de vingança contra seu líder de ontem, contra aquele que mesmo proclamado como a encarnação de todos os males do Estado lhes serve de referência permanente e de apoio cuja falta eles não poderiam suportar?
Vamos supor, apenas supor, por um brevíssimo momento, que os move o desejo de, num passe de mágica, transformar o Maranhão no mais rico Estado brasileiro, no Eldorado nacional. Como essa vontade faria de Sarney o inventor da nossa economia e sociedade, como eles não se cansam de afirmar? Ao raciocinar como se ele tivesse sido responsável pela obra do marquês de Pombal, que com o estabelecimento da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão criou uma economia primária de exportação, com base na mão de obra escrava, concentradora da propriedade e da renda no Maranhão, voltada para os mercados externos consumidores de produtos tropicais– era o possível de ser feito em face da fraqueza econômica de Portugal –, como mostrei no meu livro Dois estudos econômicos, e outros mostraram também, inclusive Bandeira Tribuzi, ao raciocinar dessa maneira, eu dizia, mais uma vez reverenciam Sarney, porquanto não foi pequeno o feito do poderoso ministro de d. José que assegurou definitivamente com sua política mercantilista o controle português do território maranhense e sua incorporação à economia já globalizada naquela época, segunda metade do século XVIII. Que fazer, se os “libertadores” nunca estudaram o Estado que dizem querer libertar e não conhecem a história econômica maranhense nem a deles nem história nenhuma?
Que imagem têm do povo maranhense? Pensam nele como um bando de carneirinhos cegamente obedientes às ordens de Sarney? Qual o motivo de só ele ser ouvido e não eles, há tanto tempo? As regras do jogo político-eleitoral não são as mesmas para todos, não estamos numa democracia? Haverá uma conspiração nacional nos tribunais brasileiros, no TSE, no STF e no STJ, onde ele colocou um dos “libertadores” de hoje, com o fim de manter a liderança de Sarney no Maranhão, contra a vontade da maioria? É sempre fácil e confortável achar explicações sobre a rejeição popular em supostos defeitos dos adversários, como eles fazem, sem perceber que ao assim agir reconhecem a liderança de Sarney. Pensando bem, seria isso homenagem mesmo ou vassalagem com vergonha?
A verdade é que os move um sentimento bastante humano, é certo, mas nem por isso aceitável, como não são aceitáveis outros defeitos morais, a exemplo da tendência à apropriação da coisa alheia, o roubo, a trapaça. Move-os o incômodo com o triunfo dos outros, o ódio e o ressentimento. Se Sarney faz sucesso, como sempre fez, transforma-se no símbolo do mal. Freud explicaria esse endeusamento disfarçado? Sei lá. Se não ele, quem?
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