15 de agosto de 2004

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Jornal O Estado do Maranhão 
O governo continua acertando na economia, que mostra sinais de recuperação, ameaçada, no entanto, pela alta do preço do petróleo, e errando no resto. Entrou na ordem do dia a polêmica sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo. A discussão surge num momento em que, acossada por denúncias de irregularidades fiscais contra os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, a administração petista passou, por sua vez, a denunciar as denúncias, falando de um suposto “denuncismo”.
É o feitiço contra o feiticeiro, pois ninguém mais do que o PT denunciou Deus e o mundo no passado. Mas, como seu mundo agora é outro, o partido passou a considerar boa só a denúncia contra os outros, sejam eles do governo, antigamente “acusado” de “neoliberal” e autoritário, ou da oposição, agora tachada de denuncista, quando antes, nos velhos maus tempos, estava apenas defendendo o interesse do “sofrido povo”. Essa atitude precisa ser denunciada imediatamente, sob pena da oposição ser denunciada como omissa pelo povo unido que, como se sabe, jamais será vencido se, bem entendido, ajudar a denunciar quem deve ser denunciado. Isso aí pode parecer uma confusão, mas a culpa não é minha, é dos denunciados. Se alguém me denunciar como confuso, eu denuncio a denúncia num tribunal do Iraque.
O certo, ou melhor, o errado, é o seguinte. A atitude do governo denuncia a ocorrência de um grave surto de paranóia, semelhante ao de Bush. Qualquer crítica é vista como má vontade da imprensa ou conspiração internacional. O leitor certamente se lembra da tentativa de expulsão do país de um jornalista estrangeiro. Com base em imagens do presidente de copo na mão, freqüentemente mostradas na imprensa brasileira, que decerto não as fabricou, ele deduziu, como muitos brasileiros, que Lula gostava de tomar seus bons tragos. Tanto bastou para a bravata do banimento. E as preleções do ministro Gushiken sob o correto comportamento da imprensa?
Houve igualmente o caso das propinas do Waldomiro Diniz. Nenhum porta-voz governamental teve a coragem de afirmar que as fitas mostrando o cara com a boca na botija eram uma “armação”. Mas, uma vez mais, a imprensa virou o mordomo das histórias policiais. A culpa era de quem vivia divulgando as imagens e não de quem pedia 1% para traficar influência. Waldomiro, execrado pelos colegas de classe por cobrar um preço considerado baixo pelos veteranos, desacreditou ainda mais a profissão, essa, sim, a mais antiga do mundo.
Existe, naquelas reações do governo, um padrão autoritário de cunho estalinista, desenvolvido pelos principais comissários do comitê central do partido. Se não for possível amordaçar a imprensa completamente se, ela reincide na crítica, então o melhor é controlá-la. Por isso, a proposta de criação do tal Conselho. Seu anteprojeto foi elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas e pelo Ministério do Trabalho, de Ricardo Berzoini, o acusado de tentativa de assassinato dos aposentados, com um cadastro em punho. O presidente da Federação, filiado ao PT, disse que ele e Lula têm a mesma concepção de democracia. Não duvido.
O projeto de lei fortalece o corporativismo e enfraquece a liberdade de expressão. Entre seus objetivos está o de “zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe”, punir “condutas inadequadas” e “orientar e disciplinar” a atividade jornalística, como se já não existissem leis adequadas para lidar com situações desse tipo. O tom é o do repelente centralismo democrático dos Partidos Comunistas. Agora, o governo tenta controlar tudo proibindo que funcionários públicos dêem informações à imprensa. Haverá ainda alguma dúvida sobre sua intenção de impedir a divulgação de más notícias para ele?

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