Pulsos sensíveis, mãos ágeis

Jornal O Estado do Maranhão

Quando a Polícia Federal cumpre ordem judicial de prisão de suspeitos de cometerem crimes, os partidos políticos não se indignam. Ao contrário, aplaudem de pé e pedem bis, como ao fim do concerto ou do grande show de rock pauleira no Maracanã. Afinal, esse é certamente o desejo dos eleitores: ver bandidos algemados e encarcerados pelo resto da vida. A falta de indignação só ocorre quando o ladrão é um pé de chinelo qualquer, um reles do povo, um desclassificado, um menos igual sob a chibata dos mais iguais, como na Revolução dos bichos: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros.”
Caro leitor, a indignação dos mesmos partidos é imensa com o uso recente de algemas em alguns malandros federais de muita pose e muitas posses. Seguindo antiga tradição brasileira, estes se distraíram e acabaram misturando seus recursos financeiros com os do governo, arrancados com voracidade de nossos bolsos de contribuintes indefesos por um sistema fiscal cada vez mais injusto, irracional e disfuncional.
No entanto, esse é um procedimento corriqueiro nos meios policiais de todos – repito, todos – os países democráticos. É adotado tanto para a segurança do preso quanto dos responsáveis pela sua custódia. É evidente a possibilidade de haver, em tal circunstância, caracterizada pela condução coercitiva do acusado, tentativas de fuga com o uso da violência, sob grande risco à própria vida do custodiado bem como à da autoridade policial. Não há razão nenhuma de se supor que presos “de bem”, gente de influência econômica e social, pertencente a grupos de nível de renda alto, muitas vezes ocupante de cobiçados cargos da hierarquia da administração pública, não arrisque fugir, atentando, até, contra a existência de seus condutores, dadas as circunstâncias de grande estresse por que passa naquele momento. Mas essa é suposição, nunca explicitada, – de gente rica não pensar em fugir –, que prevalece na argumentação dos adversários das algemas.
De modo nenhum estou defendendo a pirotecnia, já abandonada, vista mais de uma vez em algumas operações da Polícia Federal, atitude que de fato criou constrangimentos a várias pessoas. Devemos colocar de um lado o uso das algemas e, de outro a exposição pública degradante do preso, pois são acontecimentos de fato separados. Mas, desrespeito semelhante a esse tem sido no Brasil tão comum quanto a violência, por exemplo, contra mulheres, idosos e crianças. Alguém se lembra de ter visto algum protesto entre nós contra as conhecidas “apresentação do suspeito à imprensa” pelas polícias estaduais, forma de pré-condenar, de dizer “pegamos o culpado”, antes de qualquer julgamento formal? Essa conduta causa surpresa a estrangeiros, choque e revolta neles. Contudo, estamos tão acostumados com esse péssimo hábito que sequer notamos quanto ele é perverso além de ilegal. O. J. Simpson, o famoso Pelé do futebol americano, quando capturado, depois de tentar fugir da polícia em velocidade pelas ruas de Los Angeles, acusado de matar a mulher, inculpação de que, correta ou incorretamente, obteve absolvição, foi “apresentado” à imprensa? Lá, inconcebível seria se o fosse. Claro, nem sempre é possível evitar a divulgação de imagens do algemado pela imprensa, mas a liberdade de informação prevalece em casos como esse.
Já ouço ali protestos: o Supremo Tribunal Federal já proibiu o uso de algemas. O tribunal proibiu em verdade apenas alguns procedimentos considerados humilhantes e degradantes, não necessariamente as algemas. Proibiu também a tal “apresentação” de suspeitos? Não, mas quem se importa com pés-rapados? A coisa só tem repercussão quando pega gente como secretários-executivos de ministérios e outros desse tipo.
O certo é isto. Algumas pessoas andam com os pulsos muito sensíveis. Não deveriam se expor a situações que coloquem em risco parte tão sensível do corpo humano e tão útil em tornar ágeis as mãos, pois como iriam sobreviver sem a reconhecida eficiência deste instrumento de trabalho numa das profissões mais antigas da humanidade, mas tão de nossos dias?





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vida kafkiana

Lira de um anjo

Camarilha dos qautro