A força do reggae

Jornal O Estado do Maranhão 
A realização, recentemente, aqui em São Luís, do Reggae Roots Festival é uma reafirmação da força cultural do povo do Maranhão. Hoje, apesar das resistências e preconceitos, já enfraquecidos, porém, como se viu pela presença de muita gente de classe média no evento, o reggae é uma marca maranhense, sem prejuízo de nossas tradições. Estas, ao contrário, se enriquecem com o aporte de elementos importados e processados internamente por nós, com resultados bastante originais.
Grita-se contra o reggae o argumento da suposta impureza de suas origens, por ter nascido na Jamaica. E o futebol moderno? Nascido longe daqui, tornou-se naturalmente uma das mais características manifestações da maneira brasileira de ser. Levando o argumento anti-reggae ao extremo, poderíamos observar que os colonizadores também trouxeram para cá seus valores culturais. Só que os impuseram em parte pela força. No entanto, estão na origem da Atenas Brasileira, como gostamos de ser conhecidos. Quem se lembrará, hoje, de repudiar essas origens exóticas?
Quanto ao reggae, não se pode falar de cópia, mas de um processo espontâneo de absorção e digestão de elementos de fora, algo semelhante, sem a mesma autoconsciência, à antropofagia, de que nos falavam Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros modernistas. Eles se inspiraram nos movimentos de vanguarda da Europa – no Cubismo, no Futurismo – para dar nova direção, autenticamente brasileira, à nossa cultura.
A maior prova do equívoco de quem pensa não se poder nacionalizar sem traumas manifestações culturais está no fato do reggae já ter adquirido um sotaque local. Por sinal, de autêntico e legítimo, mesmo, por aqui, numa certa visão idealista e ingênua, deveríamos ter tão-só os primitivos habitantes, os índios. Aliás, segundo as últimas descobertas antropológicas, eles vieram da distante e fria Sibéria, fazendo estágio de poucos milhares de anos na América do Norte, a fim de se tornarem, primeiro, norte-americanos e, em seguida, sul-americanos, brasileiros e maranhenses.
Eis minhas palavras, há mais dois anos e meio, em janeiro de 2001, aqui em O Estado do Maranhão, ao comentar o crescimento do reggae: “Admirável, essa capacidade brasileira de pegar o material importado e produzir algo que é nosso, único, sem similar no mundo. Marca das culturas fortes, dinâmicas, originais, abertas e influentes. [...] Sua penetração [do reggae] é sinal de força, de algo que fala à nossa cultura popular, talvez o elemento africano, tão presente entre nós. Foi aceito pelo povo, tem o que lhe dizer. Não importa a origem na Jamaica ou na Patagônia. Ou será que a influência americana é a única boa? Atenas é tão estrangeira quanto a Jamaica.”
Felizmente, já existe uma estrutura profissional aqui, como se viu no festival, capaz de dar suporte ao movimento regueiro e organizá-lo comercialmente. Claro, sempre haverá, entre seus admiradores, quem se queixe de um suposto desvirtuamento, como resultado da comercialização de suas atividades. No entanto, ninguém precisa defender a primazia do fator econômico em tudo, como no marxismo vulgar, para reconhecer que, nas sociedades modernas, a sobrevivência de toda cultura é sempre assegurada por uma base material. Afinal, sem contar os mecenatos públicos e privados, livros são publicados porque existem editoras prontas a lucrar com eles; o cinema chega ao público porque há quem o financie comercialmente. Não há razão alguma para ser diferente com o reggae. A profissionalização não é bem-vinda, apenas, ela é desejável. Na sua ausência, jovens talentos e oportunidades de melhoria do bem-estar de muita gente se perderiam.
Não está distante sua aceitação ampla pela nossa sociedade. Outras manifestações com forte influência africana também já foram discriminadas no Brasil, mas depois passaram a ser vistas como parte de nosso patrimônio cultural. Agora, não será diferente. O reggae maranhense irá sobreviver por suas próprias forças, que não são poucas.

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