28 de setembro de 2009

Intervenção necessária

Jornal O Estado do Maranhão

O assunto da hora é a crise financeira dos Estados Unidos. Já posso ouvir, vinda dos auditórios universitários, onde são debatidas as mortes do neoliberalismo e do capitalismo, e discutido o surgimento de nova era de felicidade humana, assentada sobre os escombros do passado maldito, a sentença definitiva: “É a hora final”. No entanto, é preciso desconhecer Adam Smith na sua obra pouco lida A teoria dos sentimentos morais, para achar que o capitalismo é feito de ausência de normas de funcionamento e de desrespeito a princípios éticos. Todas as vezes em que essas distorções prevaleceram, prevaleceram também crises sistêmicas. E é isso o visto neste momento. Ausência de princípios morais, tais como encarnados no famoso “espectador imparcial”, proposto por Smith na sua Teoria – o tipo ideal cujo julgamento hipotético desinteressado devemos usar como referência na distinção entre o certo do errado em uma dada situação –, permite que a natural tendência de os seres humanos perseguirem seus próprios interesses produza situações caóticas. Os Estados Unidos viveram um longo período de completa ausência de regras nos mercados, apesar das crises dos anos 90. Tal situação permitiu aos grandes bancos de investimentos o financiamento da compra de casas pelos americanos, sem avaliações realistas sobre a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos mobiliários. A suposição era de as residências financiadas terem crescente valorização, o que serviria à garantia das hipotecas sobre elas. No momento em que o preço de mercado delas caiu, tendo o endividamento das famílias se tornado excessivo, pois, com as facilidades oferecidas pelos bancos, as pessoas começaram a fazer uma segunda ou terceira hipoteca sobre o mesmo imóvel, um grande número de tomadores tornou-se inadimplente e tudo veio abaixo. O crédito sumiu repentinamente e todo o sistema travou. O governo americano, e em especial o Banco Central e a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos, estão propondo um pacote de US$ 700 bilhões, de resgate dos papéis podres sobre os quais grande parte daquelas operações tinha sua frágil base. Alguns extremistas do mercado sem nenhuma regulação vêem nisso uma “medida comunista”. Como afirmou Delfim Neto, com sua conhecida verve, “o comunismo sempre salva o capitalismo”. A alternativa para o governo americano é cruzar os braços e esperar a derrocada do sistema. As conseqüências seriam mais desastrosas ainda do que as da grande quebradeira de 1929. O uso do dinheiro do contribuinte servirá ao fim de impedir que pouco mais adiante ele se veja sem emprego e sem renda, pelas conseqüências recessivas de deixar o trem prosseguir desgovernado, destruindo tudo à sua passagem. Os contrários à ajuda aos banqueiros hoje, amanhã iriam acusar o governo de não agir com o fim de salvar empregos do trabalhador, o maior sacrificado logo adiante pela inação. Lembram-se do Proer? Sem ele alguns bancos quebrariam e, com eles, todo mundo. Aquela crise serviu para o Brasil aperfeiçoar seus próprios controles. Foi feito então o mesmo que os americanos estão fazendo hoje. A intervenção é o caminho correto, mas não significa a morte de nada. Ao contrário, como já ocorreu antes, poderá servir ao funcionamento menos instável da economia no futuro. Numa economia de mercado, mercados contam, mas demandam aperfeiçoamentos institucionais pela sociedade. A crise é, principalmente, de confiança, que se baseia em obediências a regras morais conhecidas e cuja prática é esperada por todos. O governo está agindo a fim de restaurá-la. O pacote precisa de aperfeiçoamentos, a serem feitos pelo Congresso americano. Logo será aprovado. Daí, resultarão necessários controles à ação dos agentes financeiros. Esse o caminho a ser seguido.

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