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O canto da fabril

Jornal O Estado do Maranhão Ouço notícias sobre a possível mudança do nome do canto da Fabril. De acordo com uma proposta em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Luís, segundo uma rádio local, a nova denominação seria canto Evangélico ou algo semelhante. Não me perguntem por quê. Poderia ser o início de um ecumenismo religioso? Haveria ali por perto igrejas cristãs, católicas ou protestantes, mesquitas xiitas ou sunitas, sinagogas, templos budistas ou de religiões afro-brasileiras, ou mesmo de qualquer um desses deuses de distantes terras orientais? Não se sabe. Mas talvez seja o caso que um lugar para abrigar todos esses lugares de adoração e oração esteja em planejamento pelas autoridades. Aquele local é atravessado por dois grandes eixos. Um, na direção norte-sul, leva, no sentido sul, ao antigo Caminho Grande e, no sentido norte, ao centro da cidade. Duas pontas olhando para a história de nossa cidade. Outro eixo, perpendicular ao primeiro, indica, para o lado leste, o rio An...

Pedaços de eternidade

Jornal O Estado do Maranhão Um buraco negro está viajando em direção ao sistema solar à espantosa velocidade de quatrocentos mil quilômetros por hora. Pelos padrões da astronomia, ele passará a pequena distância do Sol, de “apenas” mil anos-luz. Não será capaz de causar qualquer dano ao nosso planeta ou aos outros do nosso sistema, na hipótese de manter sua atual trajetória que, segundo os especialistas, pode ser imprevisível. Caso ele mude, entretanto, vindo diretamente em nossa direção, poderemos cair nele. Seria quase como entrar pelo cano ou descer pelo ralo, negro ou não. Buracos negros não são buracos, no sentido de serem uma cavidade em uma superfície. Mas, dão a impressão de sê-lo porque, sendo estrelas extremamente compactas, têm uma descomunal força de gravidade. Sugam tudo que passa em sua proximidade, aprisionando, até mesmo, a luz. Esta, uma vez capturada nunca mais sai do interior deles. O resultado é tornarem-se completamente negros, ficando invisíveis aos instrumentos d...

Pobres soltos

Jornal O Estado do Maranhão Em agosto último, no dia 4, fiz alguns comentários aqui sobre a decretação, por um juiz de Timon, da prisão de Bingo, um vira-lata. Eu procurava dar voz ao pobre animal, contra a injustiça sofrida. Tentei mostrar seu comportamento anterior, humano, pacato e ordeiro. Mencionei também a possibilidade de ele ter tido boas razões para seu ato de morder um vizinho chato e barulhento. Lembrei-me da descoberta de Rogério Magri, ex-metalúrgico que não chegou a presidente, mas foi ministro do Trabalho do governo Collor. Ele anunciou ao mundo que cachorro também é humano, contudo não tão irracional, creio. Menos irracional, com certeza, do que essa menina de São Paulo, Suzane von Richthofen. Ela premeditou – não direi de modo frio, porque todas as premeditações o são, porém inumana –, o assassinato de seus pais e levou seu namorado e um irmão dele, até a casa da família dela, há duas semanas, a fim de executarem barbaramente o casal, crime difícil de entender racional...

Consenso

Jornal O Estado do Maranhão Poucos anos atrás, desenvolveu-se no Brasil uma polêmica, nos meios acadêmicos, na imprensa, entre os políticos, do governo e da oposição, e em todo lugar, sobre o equilíbrio das contas do governo. Alguns, a minoria, desprezados como “neoliberais”, defendiam o equilíbrio orçamentário. Outros diziam que orçamentos sistematicamente deficitários, com ou sem fontes adequadas de financiamento, não tinham nada a ver com o processo inflacionário de então. A inflação não viria daí, mas de um hipotético conflito sobre a distribuição da renda, com os diversos agentes econômicos tentando apropriar-se, simultaneamente, de parcelas crescentes do produto nacional. Mas, evidentemente, uma explicação teria de ser dada ao fato de passar-se de uma situação de harmonia a respeito do pedaço da riqueza nacional de que o capital e o trabalho se apropriavam, para outra de conflito. Invocava-se, a partir daí, uma explicação ideológica. O aumento da consciência da classe trabalhador...

Moleza

Jornal O Estado do Maranhão A história da humanidade tem sido, em grande parte, e continuará a ser até a consumação dos séculos, de dominação do mais fraco pelo mais forte. Impérios nascem e crescem pela agressão a vizinhos indefesos. Sociedades econômica e militarmente poderosas não têm duvidado em dominar pela força inimigos reais ou imaginários, visando à imposição violenta de seus próprios interesses. Visto de outro ângulo, os economicamente mais influentes, no interior de cada sociedade, sempre, ou quase sempre, mantêm o controle dos mecanismos de poder. De outra forma, deixarão de ser poderosos. Os outros têm de se conformar com uma posição subalterna. Mesmo onde existiu ou existe um aparente igualitarismo, nunca deixou de haver essa divisão social, não importa sob qual regime político. Nisso tudo, Karl Marx, excelente em análise e péssimo em previsão, hoje com baixa cotação no mercado das idéias, tinha razão. Pode-se discutir se esse fenômeno é uma inevitabilidade de todas as so...

Em torno da casa

Jornal O Estado do Maranhão Toda minha infância e adolescência, eu as vivi em um bangalô no Monte Castelo, em frente ao Senai, na avenida Getúlio Vargas, parte do Caminho Grande dos tempos antigos, de onde somente saí para constituir minha própria família. Tenho lembranças muito tênues da mudança para lá, no início dos anos cinqüenta, vindos nós da rua Cândido Ribeiro, talvez em 1952. Tento deduzir o ano a partir das histórias ouvidas depois dos mais velhos em bate-papos familiares. Quase todos os que poderiam, hoje, dar-me alguma informação já retornaram ao pó, têm a memória enfraquecida pelo tempo e pela vida ou também não se lembram bem. Uma daquelas narrativas era sobre a ocasião de nossa ida para o Areial, como era chamado o bairro, classificado de fim de mundo por muita gente. Falava, pelo que eu podia perceber das conversas, da morte de meu avô materno, Luís de Melo Raposo, poucos dias antes do nascimento, em dezembro de 1949, de meu irmão Luís Carlos. Ele devia ter uns três ano...

Machado e o Maranhão

Jornal O Estado do Maranhão Era freqüente a citação de escritores e coisas do Maranhão por Machado de Assis, nos seus artigos na imprensa do Rio de Janeiro. Jean-Michel Massa, autor de A juventude de Machado de Assis, observando essa ocorrência, ao coligir e anotar várias crônicas de Machado para os Dispersos de Machado de Assis , tentou explicá-la dizendo haver uma benevolência do escritor carioca com o Grupo Maranhense e o Estado, por causa de sua amizade com Joaquim Serra. No entanto, conforme argumentei há meses, aqui, melhor explicação está na admiração de Machado pelo talento do Grupo. Na época, o Rio de Janeiro era ainda uma cidade provinciana, embora experimentasse um acelerado crescimento. O Maranhão, por seu lado, gozava de prestígio literário em todo o Império, em boa parte originado no surto de crescimento econômico desde o final do século XVIII. Assim, não deveria causar surpresa um escritor do Rio de Janeiro admirar os maranhenses, a ponto de mencioná-los repetidas vez...