10 de novembro de 2002

Consenso

Jornal O Estado do Maranhão
Poucos anos atrás, desenvolveu-se no Brasil uma polêmica, nos meios acadêmicos, na imprensa, entre os políticos, do governo e da oposição, e em todo lugar, sobre o equilíbrio das contas do governo. Alguns, a minoria, desprezados como “neoliberais”, defendiam o equilíbrio orçamentário. Outros diziam que orçamentos sistematicamente deficitários, com ou sem fontes adequadas de financiamento, não tinham nada a ver com o processo inflacionário de então.
A inflação não viria daí, mas de um hipotético conflito sobre a distribuição da renda, com os diversos agentes econômicos tentando apropriar-se, simultaneamente, de parcelas crescentes do produto nacional. Mas, evidentemente, uma explicação teria de ser dada ao fato de passar-se de uma situação de harmonia a respeito do pedaço da riqueza nacional de que o capital e o trabalho se apropriavam, para outra de conflito.
Invocava-se, a partir daí, uma explicação ideológica. O aumento da consciência da classe trabalhadora acerca de sua exploração pelos capitalistas levaria a um aumento de suas demandas de participação na renda da nação. A resistência da classe dominante em ceder parte de sua própria renda, ou de concordar em apropriar-se de fatias menores de um produto em expansão, levaria o governo a tentar resolver a disputa através de políticas monetárias expansivas que resultavam em aumento continuado dos preços.
Dizia-se, também, que “um pouco de inflação” poderia até ser benéfico para a economia. Entre outras vantagens, ela poderia gerar, por meio do imposto inflacionário, gerador de receitas extras apropriadas pelo setor público, os recursos para programas sociais destinados aos mais pobres e para novos investimentos governamentais em infra-estrutura e em setores estratégicos da economia.
A estabilização da moeda, com a derrubada da inflação – que atinge negativamente mais os mais pobres –, a níveis comparáveis à de países do primeiro mundo, tornou essa discussão obsoleta. Não houve segredo nenhum. De uma forma simplificada, podemos dizer que se tratou, tão-somente, da aplicação de princípios macroeconômicos sólidos, relativos às políticas fiscal e monetária, fora dos quais não há mágica possível.
Do início do Plano Real até aqui, algumas reformas necessárias à consolidação da estabilidade foram feitas. Outras deixaram de sê-lo, como a previdenciária. A tarefa ficou para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Poderá ele realizá-la, e realizar as outras, como a tributária, por exemplo?
Formou-se no país um tal acordo a respeito da necessidade de dar-se um combate sem tréguas ao mal inflacionário que, durante a recente campanha para presidente da República, os pedidos de rompimento com o FMI, de revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que é instrumento tão importante para aquela tarefa, e outras sandices ficaram por conta, apenas, do Partido da Causa Operária – PCO e do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados – PSTU, aquele do mote “contra burguês, vote 16”.
Ouço, agora, algumas críticas ao PT e a Lula por terem se rendido a esse consenso. Acusam o PT e o futuro presidente de incoerência. Mas, é bom ter em mente que coerência é, muitas vezes, uma forma de teimosia e uma recusa aos novos tempos. É melhor ser a metamorfose ambulante da canção popular e não persistir na bobagem. Se houve mudanças, foram para melhor. Foi a triunfo do bom senso.
O novo governo demonstra, ao assumir compromissos com a estabilidade, ter a compreensão da realidade brasileira e do funcionamento de uma economia de mercado. As restrições econômicas, políticas e sociais, internas e externas, terão de ser levadas em consideração. Governar, tomar as decisões ajustadas a cada momento, não é apenas uma questão de “vontade política”. Essa, todos, ou quase todos, os governantes têm. O que lhes falta quase sempre, a fim de fazer tudo que desejariam, são as famosas “condições objetivas”, sobre as quais o pessoal de uma certa esquerda tanto gosta de falar.

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