3 de novembro de 2002

Moleza

Jornal O Estado do Maranhão 
A história da humanidade tem sido, em grande parte, e continuará a ser até a consumação dos séculos, de dominação do mais fraco pelo mais forte. Impérios nascem e crescem pela agressão a vizinhos indefesos. Sociedades econômica e militarmente poderosas não têm duvidado em dominar pela força inimigos reais ou imaginários, visando à imposição violenta de seus próprios interesses.
Visto de outro ângulo, os economicamente mais influentes, no interior de cada sociedade, sempre, ou quase sempre, mantêm o controle dos mecanismos de poder. De outra forma, deixarão de ser poderosos. Os outros têm de se conformar com uma posição subalterna. Mesmo onde existiu ou existe um aparente igualitarismo, nunca deixou de haver essa divisão social, não importa sob qual regime político.
Nisso tudo, Karl Marx, excelente em análise e péssimo em previsão, hoje com baixa cotação no mercado das idéias, tinha razão. Pode-se discutir se esse fenômeno é uma inevitabilidade de todas as sociedades, se a tendência à dominação é inerente ao ser humano, se há uma base genética para esse comportamento, se este é necessário à sobrevivência de grupos organizados, e muitos outros aspectos dessa realidade. Mas, é difícil, acho, deixar de percebê-la.
Mas, vejam agora esta novidade. Como se não fossem bastantes todas essas injustiças com as classes populares, aparece mais uma, quando menos se esperava. Muita gente pensava e apregoava que o sujeito que pega no pesado, tem baixa escolaridade, dá duro em trabalhos exigentes no emprego da força física e ganha salário mínimo, fosse bom de cama, em comparação com o que tem alto nível de educação, pega leve, pelo menos fisicamente, e tem renda alta.
Era como se o trabalhador braçal fosse pau pra toda obra no terreno sexual e o intelectual vivesse dando mole o tempo todo, principalmente para as supostamente frustradas companheiras. Prevalecia a idéia de que o homem do povo, por ser puro e virtuoso, não teria os traumas que atrapalham os ricos, tão travados em seu desempenho, pela preocupação de não perder sua fortuna, que nem a pau poderiam melhorar na cama ou em qualquer outro lugar.
Tudo balela, segundo o Ecos, ou Estudo do Comportamento Sexual do Brasil, feito pelo Projeto Sexualidade, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Pelo estudo, ocorre exatamente o inverso. A disfunção erétil, um eufemismo para aquela vacilação mencionada por Pelé no comercial da vitamina milagrosa chamada Vitasay, aflige mais os mais pobres.
Aliás, as pobres vítimas, vítimas pobres também, e outros eventuais aflitos, recebem do famoso garoto-propaganda a promessa de “uma forcinha”, ninguém sabe com que grau de confiabilidade, visto o produto não ser nenhum Viagra. É a tal história de sucesso trazer sucesso e fracasso, fracasso. O rico é o tal porque é rico e o pobre não consegue nada porque é pobre. É desse tipo de injustiça de que precisamos nos livrar em primeiro lugar, se quisermos transformar de verdade este país.
Como o futuro governo do presidente eleito Lula traz, finalmente, esperanças de resolução dos problemas da pobreza e desigualdade, depois desses anos todos de indiferença pela vida sexual dos brasileiros desamparados, já se vê uma conseqüência inesperada, mas sem nenhuma dúvida benéfica, caso as altas expectativas do homem comum, que na verdade é um duro, venham a ser atendidas: a igualdade e harmonia no campo amoroso.
Nenhum trabalhador poderá mais chegar em casa, depois de uma dura jornada de trabalho, e botar no governo a culpa pelo próprio desempenho no amor. Ou pela falta de desempenho. Nunca mais as trabalhadoras ouvirão as velhas desculpas de seus companheiros: “Desculpe, querida, essas políticas neoliberais estão me deixando sem forças”. Ou então: “Meu bem, você não vai acreditar, mas os culpados de tudo isso são o FMI e o Banco Mundial, com aquela mania de meter o bedelho na vida íntima dos brasileiros”. Ou ainda: “Amor, essa tal de globalização está me dando uma dor de cabeça e uma moleza...”.

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