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Infidelização TIM

Jornal O Estado do Maranhão Fidelização é um neologismo inventado pelos marqueteiros. Já foi incluído no Houais, provando a liberalidade, a respeito de novidades lingüísticas, da equipe que produz o dicionário hoje. A mim, soa meio bobo, em especial na boca de atendentes de empresas de telefonia celular como a TIM. Deveria ser, mas não é, isto: “conquista da constância do cliente com relação ao uso dos produtos de determinada marca, serviço, loja ou rede de pontos de venda etc”. O leitor já verá por quê. Todos sabem o significado de fidelidade, ou pensam saber. Seja como for, ela é desculpa para muita briga, mas, em todo caso, ela depende de cada um. Ninguém é fiel ou deixa de sê-lo contra sua própria vontade, a não ser por breves períodos e em circunstâncias especiais. Ela é semelhante ao amor, com quem anda de braços dados. Ninguém ama ou é fiel por causa de uma lei, decreto ou regulamento. Eu pensava, ingenuamente – dou minha mão à palmatória, que nem é mais usada, porém deveria, p...

Fim do mundo

Jornal O Estado do Maranhão A certeza era imperturbável. O mundo ia se acabar, mas somente mais tarde ele me anunciou a grande nova. Não seria daqui a bilhões de anos, quando a Terra, por querer voar muito perto do Sol, qual Ícaro com suas asas soldadas com cera, cairá na estrela e se transformará em pó, à semelhança de seus habitantes desde o começo dos tempos, dessa última vez pela ação do mesmo fogo que hoje, distante, nos dá vida. O desastre seria em alguns meses ou, no máximo, um ano. Não adiantaria recorrer aos deuses, rezar, chorar, pedir, implorar. Não havia esperança de tudo se passar como na canção em que “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”, porém tudo continuara como sempre, exceto pelas confissões de pecados mortais e veniais, com muito barulho, confusão e divórcios. Apesar da certeza da catástrofe próxima não se via nele sinal algum de desespero, diferentemente de um personagem de um filme de Woody Allen. Ao saber, ainda bem criança, do destino inexorável d...

O verbo é Chagas

Jornal O Estado do Maranhão O verbo é o princípio de tudo. Ele nos fez e nos faz humanos, nos inventou, reinventou e reinventa permanentemente. É a própria essência da interminável luta pela comunicação significante com nossos semelhantes, quantas vezes frustrada, mas indissoluvelmente parte da nossa natureza. Ele nos distingue como superiores – o antropocentrismo aqui é justificado – aos seres dos quais, não fora por essa diferenciação tão cotidiana, todavia tão poderosa, estaríamos separados tão-só por alguns genes. O verbo, sim, é o inventor daquilo que chamamos de espírito ou alma. Mas, como todos nós aprendemos à custa de muitos desencontros e desentendimentos, o manejo do verbo não é trivial, sendo embora uma faculdade distintivamente humana. Queremos dizer uma coisa e dizemos outra. Erramos no tom, erramos nas palavras, erramos nas frases. Sem remédio, pois o dito não morre depois de enunciado. Ele somente começa a viver naquele dia, como anunciou Emily Dickinson e como o prova...

Bolsa-Escola

Jornal O Estado do Maranhão Voltam às manchetes novas denúncias de irregularidades em programa social do governo federal. Não é a primeira vez nem será a última, afirmação que faço na suposição de o conhecimento do passado servir, na maioria das vezes, para imaginar o futuro, se, como neste caso, as condições político-sociais que produzem uma situação vexatória como essa não mudarem. Desta vez é o chamado Bolsa-Escola, atualmente parte do Bolsa-Família, destinado a incentivar monetariamente a matrícula de crianças na escola. Pelo andar da carruagem, ele poderia mudar o nome para Bolso-Escola, pois, ao colocar dinheiro no bolso de quem já tem uns trocados, deixa de colocá-lo no de quem anda com a bolsa vazia, mas, por isso mesmo, não pode ter seu direito de embolsar alguma educação negado por causa de sua pobreza. A Bolsa vem das tetas do governo e vai parar ou passear no bolso dos bem escolados. Esse pessoal merece mesmo é bolsadas, mas com bolsas cheias de pedras, para ver se tudo qu...

Educação zero

Jornal O Estado do Maranhão Nélson Mota, que descobriu Marisa Monte, músico, escritor, compositor, produtor cultural, autor do livro de memórias Noites Tropicais e de algumas obras primas da nossa música popular, entre elas “Como Uma Onda”, em parceria com Lulu Santos, chega de Nova York depois de morar na cidade por nove anos e reclama. Reclama com razão de alguns hábitos disseminados no Brasil que lhe causam, e a muitos, a mim pelo menos, indignação, por representarem falta de respeito ao cidadão e à vida em sociedade e aversão ao consumidor. Supostamente, este, no Brasil, é protegido por um Estatuto. Mas, na prática os efeitos positivos dessa peça de legislação são quase nenhum, apesar de alguns progressos de uns tempos para cá. Creio entender o sentimento do compositor, pois quando voltei dos Estados Unidos, depois de cinco anos de residência, sem vir uma única vez ao Brasil, também tive de reaprender a convivência com esse comportamento, sem aceitá-lo, porém. Antes o combato. Nã...

Reforma política

Jornal O Estado do Maranhão Uma das melhores coisas destas eleições, não foi as próprias eleições, mas a rapidez de sua apuração. Não teríamos motivos de comemoração, se avaliássemos o pleito pelo analfabetismo arrogante de vários candidatos e suas promessas de realização impossível; pela nova fraude do voto migrante, pela qual eleitores, em número capaz de influenciar no resultado da disputa, têm seus títulos transferidos para municípios onde não moram, com o fim de aumentar a votação dos autores do golpe; pela balbúrdia partidária, incentivada pela legislação, permissiva nos assuntos importantes, como o da fidelidade ao partido, e restritiva nos pequenos, numa tentativa inútil de regulação exaustiva da realidade socio-política do Brasil; e pela chatice do programa gratuito de propaganda política. Todavia, progressos já ocorreram no combate à corrupção, em comparação com o tempo em que inexistiam urnas eletrônicas. Alguns dos problemas de hoje estão mais ligados à cultura política da...

Ranger de dentes

Jornal O Estado do Maranhão Contaram-me que, no sábado, a turma, velho costume, estava no maior bate papo, todo mundo despreocupado da vida, copo de cerveja na mão num bar da Litorânea. Conversa de futebol, eleição e mulher. Curtição da manhã de sol e de vento forte e gostoso dessa época do ano aqui na Ilha. Gente de meia idade, com a vida mais ou menos arrumada, aparentemente sem grandes problemas. O celular toca ­– mais um – e uma voz conhecida diz que está chegando com uma novidade. “Por telefone não tem graça, quando chegar aí, eu digo. Quero ver a cara de vocês”. O pessoal ficou mudo quando ele contou. Até os vira-latas da calçada em frente sentiram a mudança dos ânimos no bar. O sujeito chegou com uma história sobre o desprestígio do pênis. De cara, pensaram ter ouvido “do tênis”. Qual tênis? Seria um exemplar de alguma velha marca, fora de moda, incapaz de sustentar os esforços prolongados de quem o coloca nos pés? Ou seriam todos os calçados desse tipo, que, de tanto usados, p...