Dilma e o apagão que não houve



Luiz Alfredo Raposo
Economista



A crise energética de 2001, que ficou conhecida por “apagão” foi, não há negar, um momento escuro do 2º governo FHC. O curioso é que, apesar de o apelido ter pegado, não houve apagão nenhum. Pelo menos, não lembro (e você?) e não encontrei na internet registro de eventos grandes e prolongados do tipo. Nem mesmo racionamento compulsório houve. Deu-se, sim, uma redução progressiva, ao longo de um ano, da oferta das usinas hidroelétricas (e, em consequência, do consumo de energia), precipitada pela inusitada escassez de chuvas, redução que prejudicou o crescimento do país. E a taxa de aumento do pib caiu de 4,2% em 2000 para 1,4% em 2001, segundo os dados oficiais. Cochilo do piloto? Não há dúvida que sim. Uma dose maior de previdência teria resultado na pronta instalação de uma capacidade-reserva de térmicas, num acionamento mais expedito de instrumentos emergenciais (como as térmicas embarcadas, os tais navios-usinas), numa aposta maior nas fontes alternativas, àquela época ainda pouco exploradas etc.

Mas, por questão de justiça, também admito que, diante da crise, o governo agiu de modo exemplar. Reconheceu o problema (com uma dose muito tucana de má consciência...) e montou um plano de emergência inteligente, assentado sobre três eixos: 1) um aumento de preços graduado de forma a conter a demanda, penalizando em especial o consumo excessivo; 2) um programa de estímulos à adoção de tecnologias poupadoras de energia por empresas, setor público e famílias (para as duas primeiras, o BNDES abriu linhas específicas de financiamento, como o Programa de Conservação de Energia Elétrica-PROCEL); e 3) um plano de implantação de novas usinas térmicas, para funcionarem como capacidade de reserva, pronta a ser acionada, sempre que necessário. Houve, ainda, alterações no horário de funcionamento de órgãos públicos (não sei se no setor privado também), para aplainar a demanda diária, reduzir os picos de consumo.

O gerenciamento de toda a operação foi entregue a um ministro (Pedro Parente), que agiu com a objetividade e senso de urgência de um general em campanha. Era interessante vê-lo na TV com assessores, no que pareciam reuniões de estado maior de filme de II Guerra. E isso, paradoxalmente, talvez tenha contribuído para dar uma impressão exagerada do tamanho do problema. Mas deu certo. A sociedade se engajou, entrou no clima, e o consumo caiu significativamente, o que evitou a medida extrema do racionamento. Um ano depois, vieram as chuvas e, com elas, a regularização da produção das hidroelétricas.

Ponto que merece destaque é que, apesar dos pesares, o Brasil saiu melhor da crise, tirou dela uma parcela de ganho permanente. As inovações adotadas (lâmpadas econômicas nas casas, empresas, repartições e logradouros públicos, dispositivos economizadores nas máquinas, motores e utensílios elétricos) mudaram em definitivo o padrão de consumo, derrubaram os consumos unitários para níveis que desde então se mantêm abaixo do pré-crise (diria um economista em seu linguajar pernóstico: o pib tornou-se menos eletricidade-intensivo). Lucro para a economia: menos custo no dia a dia e menos necessidade de investimentos em expansão de capacidade. As novas térmicas (algumas inauguradas já no governo do PT) agregaram-se à matriz energética como fator de estabilidade e de tranquilidade.

Para o PT, porém, o apagão foi só passivo. Mais do que parte, ele virou emblema da herança maldita que teria sido recebida do governo Fernando Henrique. O irônico é que os apagões de verdade, os eventos de apagão em larga escala vieram a ocorrer foi no governo Lula. Em duas ocasiões, em 2005 e 2007 (lembro-me bem e o Google não me deixa mentir...), falhas de manutenção (decorrentes de subinvestimento) no sistema de Furnas provocaram panes de longa duração, que vitimaram extensas áreas nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. E no final de 2009, o problema que produziu o desligamento de Itaipu “apagou” grandes porções de Sudeste, Nordeste e Centro-oeste, por uma noite inesquecível, lembra? Ao todo, cerca de 50 milhões de brasileiros atingidos e alguns bilhões de reais de prejuízo. Isso, sim, é um apagão que se preza! O governo poderia (ou melhor, deveria) ter reconhecido a gravidade das falhas e se comprometido solenemente com sua correção. Preferiu usar mais uma vez o double-talk, sua arma predileta. E passou semanas e semanas tentando convencer a população de que aquilo era coisa bem diferente de apagão. Foi o raio da silibrina!

A verdade é que o governo do PT nunca fez o que devia no ataque à raiz do problema: a dependência excessiva da energia oriunda de fontes hídricas, gritam já roucos os fatos. Não se empenhou a fundo nem num programa de fontes alternativas nem na interligação mais robusta dos subsistemas de transmissão regionais. Em consequência, o país continua demasiado exposto ao álea climático e às fragilidades do sistema de transmissão (e sua manutenção). Falei acima de episódios. Mas em janeiro de 2009, o engenheiro Jerson Kelmann, que exercia a função de diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), deu uma declaração reproduzida por toda a imprensa (e logo depois, perdeu o emprego...), segundo a qual andamos mais perto do apagão em 2008 do que em 2001. Ou seja, 2008, apesar de inepisódico, teria sido mais difícil do que 2001. Raspamos a trave do racionamento. As térmicas dos tucanos devem ter trabalhado como nunca e no fim, vá-se ver, foram elas que salvaram a pátria!

Algo parecido com 2001 sucede neste ano de 2014. A seca está aí, embora, desta vez, não se veja nenhum Pedro Parente e o governo só abra a boca para negar o problema. Mas a situação é pior: em 2001, as novas térmicas ainda não existam e a economia cresceu. Agora, mesmo com a atual estagnação da economia (que veio andando a passo de tartaruga, desde 2011), o país já se encontraria em regime aberto de racionamento, não fossem as térmicas. Uma conclusão lateral é que, neste ano, o governo contou, além das térmicas, com uma ajudazinha da própria... estagnação! Imagine se houvesse ameaça(!) de crescimento! Mas a culpa toda é de São Pedro...



No dia de hoje, enfim, 6/10/2014, nossa governanta dá a primeira declaração depois da performance surpreendente de Aécio no 1º turno. E não é que, mais uma vez perdendo a oportunidade de fazer o seu dever de dirigente e candidata a um novo mandato, que é se explicar, prestar contas dos acertos e desacertos de seu governo (e todo o tempo ainda lhe seria pouco...)― não é que ela insiste em continuar na oposição a um governo que não há mais e ataca o apagão tucano e, para tanto, falsifica a história! É assim mesmo, lasciate ogni speranza, os petistas não padecem a enxaqueca da má (nem da boa...) consciência. Com o dom de iludir que os exorna, eles nunca têm culpa de nada e querem que as pessoas se esqueçam dos apagões deles para ficar malhando só o judas imaginário do apagão que não houve...

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