Em nome da Alegria


Transcrevo abaixo crônica de José Ewerton Neto, publicada no jornal O Estado do Maranhão de hoje, 2 de fevereiro de 2013. Nela ele mostra estar atento aos problemas brasileiros  e demonstra compreender que crônica deve ser algo que trata da sociedade contemporânea e seus problemas, o que faz jus à origem da palavra, ligada à ideia de tempo, do tempo de quem escreve.



Em nome da Alegria



 Existe uma casca de banana por trás de
toda grande tragédia.
Graham Greene
          José Ewerton Neto, da Academia Maranhense de Letras

          Se existe sempre uma casca de banana por trás de toda grande tragédia, em quantas cascas de banana escorregou o país (pois essa tragédia é, sobretudo, brasileira) para se chegar a um epílogo tão cruel e desolador como o que se abateu sobre a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul?
          Entre tantas não deveria estar o fato de, coincidentemente, tal tragédia ter acontecido em um evento que tinha por principal motivação, a alegria. Essa alegria propalada, esfuziante, incontida e, tantas vezes obsessiva, que julgamos essencial e da qual tanto nos gabamos, como uma qualidade invejável do caráter brasileiro. Os estudantes mortos estavam naquele ambiente perigoso festejando a ‘alegria’; o conjunto de idiotas intitulados de banda musical usavam fogos de artifício para melhor festejar a ‘alegria’. Ao mesmo tempo os empresários da casa se aproveitavam para ficar ricos às custas da ‘alegria’ e os governantes, indiferentes como sempre a tudo, consentiam e nada preveniram porque apenas permitiam a ‘alegria’.
          A mesma alegria que esteve presente também numa outra boate, mineira, em 2001, quando em circunstâncias semelhantes, seis pessoas morreram. Poucos se lembram disso, como eu. Claro, não houve na ocasião as mesmas manifestações generalizadas dos governantes, como agora, forçados a serem guindados, ao papel que sempre deveriam exercer: de vigilantes do bem-estar e da vida daqueles que os elegeram; a imprensa não deu destaque equivalente, não houve clamor público, nem velas acesas, nem a mídia cobrou das autoridades soluções para que jamais neste país houvesse outra tragédia semelhante, como clamou no início da semana (mais de dez anos atrasada) a presidente Dilma. Teria tal tragédia sido tão rapidamente esquecida porque ‘apenas’ seis pessoas morreram? Quantas vidas, então, são necessárias sucumbir neste país para que não se diluam nessa alegria contagiante de um povo, tão alegremente irresponsável, que permanece cego diante da indiferença dos representantes que escolhe, mais preocupados em usar o poder para, ao invés ( como recentemente noticiado), aumentar seus próprios salários?
          Nada foi tão sintomático dessa desfaçatez em nome da continuidade da alegria do que a atitude do governador do Rio Grande Sul, Tarso Genro,vociferando em altos brados e exigindo punição rigorosa para os responsáveis pela tragédia. Punição rigorosa para quem mesmo, cara- pálida? Ele, certamente, nunca leu na Bíblia o conselho cristão de ‘jamais apontar o cisco para o olho do vizinho, quando o seu está sujo’. Como disse um criminalista em entrevista a William Waack, repórter da Globo : “Antes de qualquer acusação, o governador deveria era pedir desculpas ao povo, exigir uma investigação minuciosa das responsabilidades, não só de empresários e músicos inconseqüentes, mas de todas as autoridades envolvidas. Em outro país que se preze, o prefeito já deveria ter sofrido impeachment, como aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em 2004” Ou seja, no epicentro da tragédia o Governador do Rio Grande do Sul não se peja em inaugurar e pisar em nova casca de banana, sugerindo que 235 vítimas podem não ter sido suficientes.
Mas o Carnaval vem aí, o logotipo oficial da Copa já foi anunciado com muito estardalhaço, o Grêmio Porto Alegrense acaba de vencer em Porto Alegre (tão perto do local da tragédia!) um time do Equador provocando o delírio entusiasmado de sua torcida e as notícias sobre as vítimas cada vez mais arrefecem no noticiário nacional, substituídas pela alegria carnavalesca, essa sim, brasileiramente obrigatória, se propagando de um canto a outro do país. 22 cidades do Rio Grande do Sul cancelaram seus carnavais em respeito à memória dos mortos, mas a maioria não o fez provavelmente porque ‘respeitar’ o Carnaval deve ser mais importante.
          Em nome dessa ‘alegria brasileira contagiante’ é necessário esquecer, o mais rapidamente possível, os cadáveres, mas nem precisava tanto empenho para isso porque, como dizia Pablo Neruda em um de seus poemas: “Os ossos? Os ossos esquecem.”
ewerton.neto@hotmail.com
http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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