(Des)acordos ortográficos: brevíssima história
Jornal O Estado do Maranhão
Do século XIII até meados do século XVI a ortografia do galego-português era predominantemente fonética. Com o aumento dos estudos humanísticos a partir daí bem como do prestígio da etimologia greco-romana das palavras do português, inverteu-se a tendência e a escrita passou a ser, até o início do século XX, etimológica ou pseudoetimológica.
A Academia Brasileira de Letras fez um experimento em 1907 com a simplificação da escrita nas suas publicações, reformulado em 1912 em função da resposta negativa dos usuários. A tentativa não vingou.
A primeira grande reforma foi implantada em 1911 em Portugal, quando o país simplificou a escrita, deixando de priorizar a ortografia pseudoetimológica em favor da escrita fonética. Foi como um retorno aos fundamentos da ortografia da Idade Média, mas com aplicação mais uniforme em vista da atuação da Academia de Ciências de Lisboa. Em 1915, a ABL tentou seguir o modelo português de 1911, mas voltou atrás em 1919. Em 1929, fez nova tentativa que também não funcionou.
O primeiro Acordo entre Brasil e Portugal foi aprovado em 1931, mas não conseguiu também a desejada unificação o que fez com que, na Constituição de 1934, fosse incluído um dispositivo determinando a volta da ortografia vigente até 1891. A tanto podem chegar os dirigentes brasileiros! Houve tão grande resistência que a Constituição do Estado Novo, de 1937, trouxe de volta a de 1931, que de qualquer maneira não havia sido posta em prática. Em 1943, foi celebrada a Convenção Ortográfica entre o Brasil e Portugal. No entanto, a persistente divergência nos Vocabulários das Academias dos dois países, levou à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Esta foi adotada apenas em Portugal. Aqui, em 1971, e em Portugal, em 1973, adotaram-se leis que reduziram as divergências, persistindo, porém, apesar da aproximação, sérias diferenças. Um Acordo obtido em 1975 não chegou sequer a ser aprovado oficialmente nem lá nem cá.
O processo, que tinha como objeto por fim a toda essa confusão continuou no encontro dos países lusófonos, promovido pelo então presidente José Sarney em 1986 no Rio de Janeiro, ocasião em que foi aprovado o Memorando Sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, inviabilizado, todavia, em sua aplicação, pela reação contra ele em Portugal, mas que se tornou a base do atual Acordo. Finalmente em 1990, em reunião em Lisboa, este de agora.
Como dito na Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ao se analisar o conteúdo dos acordos anteriores, o de 1945 e o de 1986, este base do atual, vê-se que seu objetivo era a imposição de uma unificação ortográfica absoluta ou quase. O de 1986 deveria obter tal resultado em 99,5% do vocabulário geral da língua. Sua principal proposta era de simplificação radical no sistema de acentuação gráfica, com a eliminação dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas. Foi rejeitada pela opinião pública portuguesa. O de 1945 pretendia chegar a 100%. Os brasileiros recusaram-no porque, ao propor a manutenção das consoantes mudas ou não articuladas, ele promoveria a restauração dessas letras no Brasil, onde havia muito tinham sido eliminadas. Tentava também resolver a divergência de acentuação das vogais tônicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, das palavras proparoxítonas, pela adoção da norma portuguesa. Exemplo: Antônio, no Brasil, e António, em Portugal. O timbre do o, fechado no Brasil e aberto em Portugal passaria a ser grafado, aqui e lá, somente com o acento agudo (António), sob o argumento de que ele assinalaria tão só a tonicidade e não o timbre da vogal. Manteve-se agora a dupla grafia: Antônio para nós e António para os lusitanos. Aliás, por que não se deveria adotar duplas grafias no âmbito da lusofonia, se elas são adotadas internamente tanto no Brasil, como no caso de sinóptico e sinótico e de diversas outras palavras, como em Portugal?
Prevaleceu o bom senso e a fonética, que é o princípio orientador da reforma. Cerca de 98% da ortografia está unificada. O ótimo, como se sabe, é inimigo do bom.
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