Contra a corrente: golpe não houve
Jornal O Estado do Maranhão
Ora, vejam só! Os paladinos da democracia, Hugo Chávez (Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador), estão clamando aos céus pelos princípios democráticos, muito bem protegidos em seus próprios países, sob a condição de os opositores não criticarem os governos deles. A imprensa é ameaçada e intimidada todo dia, como sabem os jornais da Argentina, as emissoras de televisão da Venezuela e várias instituições e empresas do Equador e Bolívia. Nisso tudo, esses gigantes da liberdade de imprensa são apoiados pelo Brasil, que nessa história tem sido liderado pela Argentina e Venezuela em vez de liderar a diplomacia sul-americana. A história é esta. O compromisso democrático dessa turma é tão arraigado que três deles Cristina, Chávez e Rafael retiraram seus embaixadores no Paraguai, por este ter cometido o crime de seguir estritamente a Constituição do país, tirando do governo o agora ex-presidente Fernando Lugo. São os mesmos que desejam tirar o Paraguai do Mercosul e incluir no bloco a Venezuela do democrata Chávez. Quem quiser conhecer a Constituição paraguaia, poderá consultar o endereço http://www.tsje.gov.py/constitucion-nacional.php. O Brasil e a tal da Unasul queriam que ela fosse uma cópia da do Brasil? Pois ela não é nem estabelece prazos para o julgamento do presidente da República. Se não os há, paciência. Reformem-na já. Antes, leiam-na e me mostrem a cláusula violada.
Quando um Fernando brasileiro, o Collor, sofreu impeachment ninguém se lembrou de classificar a decisão do Congresso brasileiro como golpe. A Constituição foi seguida ao pé da letra. Atenção, não a do Paraguai, a do Brasil. Afinal, o cara era um “direitista” e direitistas, como se sabe, são maus; esquerdistas, bonzinhos, tanto que mataram milhões de pessoas na antiga União Soviética e seus satélites. Imaginem agora se algum partido de oposição, no início do mensalão, tivesse proposto o impeachment do “esquerdista” Lula. Pelos deuses do Olimpo, onde Lula é uma espécie de deus de todos os deuses, mesmo com as mancadas político-eleitorais que vem dando ultimamente desmentindo sua fama de intuitivo genial, a proposta seria taxada de coisa de imprensa golpista, de quem desejava um terceiro turno e outras bobagens.
O bispo garanhão, suspenso das ordens por ter se dedicado entusiasticamente ao preceito bíblico do “crescei e multiplicai-vos”, foi mandado embora por 73 deputados de um total de 74 (um mísero voto contra a destituição) e por 39 senadores, entre 43. Francamente, ele mesmo aceitou o julgamento político, seu advogado considerou legítimo o processo de cassação, o Tribunal Eleitoral legitimou a posse do vice, a imprensa não foi censurada, eleições livres serão realizadas, a Suprema Corte de Justiça do Paraguai rejeitou uma ação de inconstitucionalidade para anular a destituição, o povo não apoiou o o réu clerical e o país está em paz. Onde, o golpe?.
Mais uma vez a diplomacia brasileira se mete numa situação de onde só sairá derrotada. Lembram-se da confusão em Honduras? Um chapelão com ares de ator mexicano de filmes B, foi para a embaixada brasileira – em verdade, quase convidado – e de lá comandou a “resistência” contra um suposto golpe em suas pretensões presidenciais. O homem comeu e bebeu do bom e do melhor, deu entrevistas e a coisa deu em nada porque não havia golpe nenhum. O isolamento do país durou um ano e pouco. Depois, tudo voltou ao normal. Assim, agora. Não demora muito, ficará só o ridículo.
Vejo na Folha de S. Paulo o jornalista Clóvis Rossi recomendar ao governo brasileiro estrita vigilância das eleições no Paraguai para “[..] para evitar que métodos e dinheiros pouco limpos levem ao poder uma figura sob suspeita em um vizinho e sócio”. É de pasmar a recomendação: o país do mensalão e das sobras de campanha de Collor vigiar dinheiro sujo nas eleições na casa alheia? Afinal, o Paraguai é quintal do Brasil? E se os Estados Unidos fizessem o mesmo no Brasil a fim de evitar outros mensalões? Algumas figuras barbudas jamais chegariam à Presidência.
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