Por fora da lei

Jornal O Estado do Maranhão     

    A imprensa local noticiou com destaque que a partir do dia 16 de abril passado o trânsito de veículos automotores estaria proibido, em caráter definitivo, nas praias de São Luís em cumprimento a decisão da Justiça Federal em ação interposta pelo Ministério Público Federal – MPF.
          A proibição já tinha vigência legal desde 2008, pela portaria de número 03/08 da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes – SMTT. Excetuavam-se da proibição veículos dos órgãos prestadores de serviços públicos de limpeza, policiamento e salva-vidas. Mas, a própria Secretaria jamais fez cumprir a norma por ela mesma estabelecida. Durante quatro anos, de 2008 até pouco mais de um mês atrás, era como se tudo fosse permitido. Foi necessária a intervenção do Ministério Público Federal e da Justiça para a portaria viger de verdade.
          Foram anunciadas então medidas destinadas ao cumprimento da decisão. Quem insistisse em trafegar ali seria multado e teria seu carro apreendido e guinchado até o pátio da SMTT, localizado no Ipase. Foram colocadas placas de sinalização horizontal em algumas ruas perto da praia do Olho d’Água (não sei se nas outras) e, segundo a imprensa, estaria em desenvolvimento um plano de fiscalização intensiva que iria funcionar 24 horas por dia. Os agentes de trânsito trabalhariam em viaturas e motos em pontos móveis e fixos. Tudo perfeito, exceto pelo fato de que, se as medidas foram adotadas, foi apenas por algum tempo, pois li também há poucos dias notícias sobre automóveis, caminhonetes e até caminhões passando pela areia como se a norma não valesse, como é comum acontecer.
          Contudo, a repressão não deixou de funcionar, pois os agentes resolveram encher o saco justamente de quem não deveriam: os moradores de áreas junto ao mar. Uma comerciante do Olho d’Água– vejam só o absurdo – foi impedida de levar os filhos à escola, sob a ameaça de ter o automóvel guinchado. Por uma interpretação rombuda da portaria, eles queriam confinar a moradora em sua moradia ou então obrigá-la a comprar um helicóptero, visto não haver à disposição dela via alternativa nenhuma para sair de sua residência.
          O MPF, vendo a inação das autoridades, requereu então à Justiça Federal a imposição de multa pessoal ao secretário da SMTT, caso a situação não mudasse, e determinou que o município voltasse a fazer a fiscalização. Se este trabalho foi retomado, sua duração, é quase certo, será curta. Se depender apenas do órgão municipal, creio eu, tudo voltará à desordem. Felizmente o MPF está atento.
          Mas, afinal, por que estou falando sobre esses fatos? Porque os vejo como simbólicos de uma atitude generalizada em nossa cidade, parte da cultura do desrespeito à legalidade, tanto, paradoxalmente, de parte dos órgãos encarregados de tornar efetivos os diplomas legais (neste caso a SMTT) quanto dos habitantes da cidade que, assim, perdem, de fato, a condição de verdadeiros cidadãos.
          Outro exemplo de desrespeito. O dono de um bar chamado Los Periquitos, originalmente instalado no Cohatrac, violava sistematicamente a Lei do Silêncio. A reação dos moradores obrigou-o a procurar outro local para suas atividades. Instalou-se com outro nome, Bar Novo Trapiche, numa área residencial na Ponta da Areia, onde continuou a antiga prática. O órgão estadual encarregado de fazer cumprir a Lei do Silêncio, a Delegacia de Costumes, nunca fez uma medição do nível de ruído do bar nos momentos apropriados nem recentemente nem no Carnaval, quando a situação se deteriorou, apesar da solicitação de dezenas de moradores da área. O que fazer, perguntaria o bolchevique Lenine e depois liquidaria os importunos, algo longe da cabeça dos moradores.
          É assim, as leis não são cumpridas, as autoridades se esquivam de suas obrigações, os infratores sentem-se fortalecidos, persistem em seu comportamento danoso e seguem impunes a correrem por fora da lei. Essa cultura terá de mudar se desejarmos viver numa cidade e numa sociedade em que, na convivência entre os cidadãos, a civilidade é a regra e a falta de educação cívica a exceção.

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