19 de junho de 2011

Bons companheiros

Jornal O Estado do Maranhão


A imprensa brasileira resolveu que terroristas assaltantes de bancos, assassinos reincidentes autointitulados de defensores dos pobres e oprimidos, devem ser chamados de ativistas. É o caso do tratamento dado ao bandido italiano Cesare Battisti, chegado ao Brasil em 2007.
Certo dia de sol mediterrâneo, em 1978, depois de muito refletir sobre a morte da bezerra, indignar-se com as injustiças da vida, reclamar da ingratidão dos homens, lembrar-se do bullying sofrido em seu tempo de escola, revoltar-se contra a crueza do “capitalismo selvagem” e ligar para a santa mãe num lugar qualquer da Itália, com pedido de bênçãos à virtuosa e católica senhora, ele e bons companheiros resolveram assaltar um banco com o objetivo de arrecadar fundos destinados a um fim nobre: a melhoria de vida do povo e a derrubada da “democracia burguesa”. Afinal, os fins justificam os meios, não é assim? Embora neste caso os fins sejam os piores possíveis, um deles sendo a implantação da ditadura do proletariado. Então, no curso da ação destemida, ele e seu grupo mataram quatro pessoas que, com respeito à vida política, tinham interesse semelhante ao meu, nenhum, pelos duendes de Xuxa, a abdução de Elba Ramalho ou os superpoderes mentais de Paulo Coelho.
Tornemos mais concreta a história, dando os nomes das vítimas, gente de carne e osso, com mulheres e filhos, não abstrações ideológicas tais como “servidor de poderosos”, “cão de guarda de capitalistas”, ou “lacaios do imperialismo”: Lino Sabbadin, Andrea Campagna, Pierluigi Torregiani e Antonio Santoro. A nobre causa estava, com os assassinatos, servida pelo PAC, sigla de Proletários Armados pelo Comunismo (não confundir com o PAC brasileiro), grupelho ligado às segundas Brigadas Vermelhas, de infame memória. Em 1978 também, estas sequestraram e assassinaram friamente, depois de 55 dias de cativeiro, Aldo Moro político “burguês” e ex- primeiro-ministro italiano durante sete anos em dois períodos de governo, condenado em rito sumário, quando sequestrado, pela “justiça proletária”, sem direito a defesa, ao contrário de Cesare no Brasil que a teve em excesso, pois contava com a influência de amigos influentes no governo.
Battisti, o heroico “ativista” dos direitos das massas, fugiu da justiça nativa e foi para a França, sendo, pela fuga, julgado à revelia e condenado à prisão perpétua por seus crimes. Recorreu ao Tribunal de Apelação de Milão e perdeu, à Corte Europeia de Direitos Humanos e perdeu de novo. Quando as autoridades francesas decidiram extraditá-lo, ele buscou o Brasil onde foi calorosamente recebido por outros bons companheiros. Um deles, Tarso Genro, então ministro da Justiça, concedeu-lhe o status de refugiado político. O Supremo Tribunal Federal decidiu extraditá-lo, mas condicionou o destino final dele a outra decisão, de Luiz Inácio Lula. Este não faltou ao facínora e o manteve no Brasil. Agora, analisando pedido do governo italiano, o STF confirmou a decisão de Lula.
O argumento da defesa do terrorista é de ele sofrer perseguição política – como se o sistema de justiça italiano fosse manipulado pelo Executivo, como o de uma republiqueta qualquer – e não poder, dessa forma, regressar a seu país onde, como se sabe, o estado democrático de direito tem fortes raízes. Ele é caçado, sim, pelos seus crimes de bandido psicopata e de homicida perigoso. Como observou com argúcia o senador Pedro Taques, do PDT de Mato Grosso, Osama bin Laden “estaria confortavelmente protegido”, caso tivesse procurado refúgio aqui, bastando, acrescento, a alegação de perseguição política no Paquistão.
O tratamento de ativista dado a um assassino como Battisti, na tentativa de livrá-lo da pecha de terrorista é, pode-se ver, um escárnio à consciência democrática da sociedade. Ativista de quê? Da morte, do assassinato, da negação da vida, do desprezo pelos valores democráticos, da exaltação do uso da força bruta na disputa pelo poder, do desprezo pelos valores humanos? É justa a indignação do governo e do povo da Itália com essa ridícula decisão do governo brasileiro.

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