Reggae do Maranhão
Jornal O Estado do Maranhão
O futebol é, o Carnaval é, o samba também é. Tudo importado. Até a língua, de Portugal, que a importou dos romanos. Por que só o reggae não pode ser?!
Bem fez Charles Miller, brasileiro de nome inglês, mas nem por isso menos brasileiro ou mais inglês, trazendo o futebol da Inglaterra para o Brasil em 1894. Coisa de gente fina, diversão para granfinos, esporte para ser praticado em chácaras familiares da pequena São Paulo. Aí, os negros e pobres gostaram, acabaram entrando na dança. O sotaque britânico foi se perdendo. “Center-forwards”, “halfs”, “backs” e “corners” viraram centroavantes, meias, zagueiros e escanteios. O jogo se amoleceu, se aveludou, se abrasileirou, se popularizou, melhorou. Alguém, hoje, tem a coragem de chamá-lo de estrangeiro?
E o Carnaval? O entrudo português foi mudando, mudando, deu no zé pereira, animado por zabumbas e tambores, passou pelo corso, o rancho e acabou na nossa forma de Carnaval, com Escolas de Samba no Rio de Janeiro, trios elétricos na Bahia. Era português de séculos, ficou brasileiro, mais alegre.
O samba, nem se fala! Nesse o estrangeirismo foi maior. Europa e África, a modinha portuguesa e o lundu, batuque africano, umbigada em dialeto luanda. Ao contrário do futebol, nasceu sem berço, na pobreza, nos morros. Foi reprimido, perseguido, aceito. Desceu para os salões e avenidas da Zona Sul do Rio de Janeiro e do Brasil. É chique agora. A classe média samba nas Escolas e assiste o desfile pela TV. É bacana.
Admirável, essa capacidade brasileira de pegar o material importado e produzir algo que é nosso, único, sem similar no mundo. Marca das culturas fortes, dinâmicas, originais, abertas e influentes. Em verdade, cópia não existe, é ilusão, ou só existe nas culturas exaustas, moribundas, que apenas podem produzir caricaturas. Não é o nosso caso. Temer o elemento de fora é começar a morrer.
Assim, com o reggae. Sua penetração é sinal de força, de algo que fala à nossa cultura popular, talvez o elemento africano, tão presente entre nós. Foi aceito pelo povo, tem o que lhe dizer. Não importa a origem na Jamaica ou na Patagônia. Ou será que a influência americana é a única boa? Atenas é tão estrangeira quanto a Jamaica.
As culturas que tentaram se isolar estagnaram. A pureza cultural é impura fantasia. O povo maranhense foi capaz de criar um reggae original com sotaque próprio. Não é mais o da Jamaica nem é imitação. Já tem até site na Internet anunciando shows aos sábados, em São Paulo, “ao estilo maranhense”.
Uma bonita canção popular maranhense é a Ilha Bela, de Carlinhos Veloz, que poeticamente fala em “todo molejo, todo chamego, coisa de negro, que mora ali”. É um reggae estilizado, sinal de dinamismo, evolução e aceitação. Há outros igualmente bonitos, legítimos, de compositores do Maranhão. Os preconceitos contra essa “coisa de preto e pobre”, da maneira como outros dizem, não o compositor, vão passar, como passaram no caso do samba.
A tradição não nasce feita, toma tempo pra crescer e se firmar. O que não é tradicional hoje, pode vir a ser amanhã. É só dar o tempo certo, esperar. O boi barrica é da nossa tradição? Não era, tá virando. É a estilização urbana dos vários sotaques do bumba-meu-boi antigo, mais rural. O reggae não é tradicional? Poderá ser, quem sabe?
Se ele está na onda da comercialização, segue o caminho de todos antes. A profissionalização é inevitável e desejável. Tem gente que vive do bumba-meu-boi, do samba, da música sertaneja, do Carnaval, do futebol. Há uma indústria dessas manifestações culturais populares. As críticas devem ser feitas a ela e não ao reggae.
Será saudável, para nosso enriquecimento e diversidade culturais, que ao reggae seja dada a oportunidade de andar sozinho, livre de preconceitos e discriminações. Ele irá viver ou desaparecer por seus próprios méritos e defeitos.
e-mail: lino.moreira@bol.com.br
Sugestão para destaque: “O povo maranhense foi capaz de criar um reggae original com sotaque próprio. Não é mais o da Jamaica nem é imitação.”
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