6 de maio de 2001

Raça Brasil

Jornal O Estado do Maranhão
Há 25 mil anos um grupo humano emigrou da África para a Europa. A origem de toda a população européia de nossos dias está nesse episódio. A conclusão é de um estudo feito no Instituto Whitehead, nos Estados Unidos, apresentado na Escócia, durante reunião da Organização do Genoma Humano. Os cientistas compararam os padrões genéticos de pessoas da Nigéria, Suécia e Europa Central. Eles encontraram apenas pequenas diferenças e concluíram que as populações desses países e regiões têm uma origem comum em um conjunto de não mais do que uma centena de indivíduos.
Estudos desse tipo vêm contribuindo para o banimento definitivo das ideologias disfarçadas de ciência que proclamavam, e, por vezes, ainda proclamam, a superioridade de algumas raças, particularmente da branca, sobre as outras. Saber que os brancos europeus descendem dos negros africanos é um reforço importante para o combate ao racismo, no mesmo momento em que um membro da organização racista americana Ku Klux Klan é condenado à prisão perpétua pelo assassinato de quatro adolescentes negros em 1963 no Alabama.
A idéia de superioridade racial teve seu apogeu nas primeiras décadas do século XX. A política nazista alemã de aniquilamento dos povos judeu e cigano, bem como de perseguição a diversas minorias, é o exemplo mais conhecido da aplicação dessa idéia como política de Estado. Por ironia, na “civilizada” Europa.
No Brasil, já foi moda afirmar que a mistura de raças, uma traço tão marcante da cultura brasileira, iria gerar uma sub-raça degenerada. Ela herdaria as características indesejáveis das que a formassem. A influência desse pensamento pode ser vista até num intelectual da qualidade de Euclides da Cunha, especialmente em sua obra prima, Os sertões. O curioso é que, se essa teoria fosse verdadeira, seríamos, os brasileiros, uma raça degenerada, de “mestiços histéricos”. Não me parece ser esse o caso, apesar das aberrações, não biológicas, mas morais, que se têm visto na imprensa brasileira nesses últimos dias.
O racismo, como conhecido atualmente, é um fenômeno moderno, incômoda herança da expansão mundial do capitalismo ocidental, iniciada com as grandes descobertas de novas terras, em fins do século XV. A necessidade de utilização de mão-de-obra barata, não disponível nos países colonizadores, para a exploração econômica das colônias, levou à escravização dos nativos. A justificativa, diferentemente da utilizada no mundo antigo que discriminava com base em outros fatores, era de que aquelas eram raças inferiores. Estas, diziam as potências coloniais, estariam produzindo para o bem da humanidade, querendo dizer para a sua parte racialmente superior.
 Um nordestino, de Pernambuco, Gilberto Freire, foi um dos primeiros demolidores desse mito e o mais brilhante. Ele mostrou que o conceito de raça, além de incluir elementos de cultura, como bem assinalou Franz Boas, em adição aos de biologia, tem de ser visto como o resultado de uma relação dinâmica entre ambiente, história, migrações e etnias. Os próprios portugueses têm um passado bastante heterogêneo, com elementos africanos e europeus – ambientais, étnicos e culturais – que marcaram sua formação histórica.
Pode-se falar, então, de uma “raça histórica” brasileira, produto da mistura de diversas etnias, entre elas a portuguesa, a banto e a tupi, que se adaptaram às particularidades ecológicas dos trópicos para a construção de sua própria história. Falar de hierarquia de raças é tão absurdo quanto falar de hierarquia de ecossistemas, de histórias ou de migrações. Cada raça, como definida por Freire, é, somente, a combinação específica, particular, não repetível, desses elementos.
A “raça histórica” brasileira, a despeito das inúmeras dificuldades que enfrenta há longo tempo, já provou que se iguala a qualquer outra. Mas, simultaneamente, ela é diferente, singular, única, de extraordinária riqueza cultural. É isso que a levará à construção de um Brasil melhor e mais justo.

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