11 de março de 2001

Provisória ou permanente?

Jornal O Estado do Maranhão
Quem tem, ou já teve, conta bancária sabe. O governo federal, há anos, vinha ficando, primeiro com 0,20%, depois com 0,30% de qualquer valor movimentado nela, por imposição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira — CPMF, o “imposto do cheque”. Não mais. A percentagem irá subir para 0,38% no dia 18. Pelo que se ouve, a intenção do governo não é, tão-somente, de aumentar a alíquota. É, também, de tornar permanente o que era para ser provisório. Como, aliás, todo mundo dizia. Menos, é claro, as autoridades fiscais.
A desculpa para a criação do tributo foi a necessidade de obtenção de recursos para projetos sociais. Para o aumento mais recente foi outra, embora semelhante: a geração de novos recursos para o Fundo de Combate à Pobreza. No entanto, a arrecadação da CPMF, também como previsto, tem sido, sistematicamente, desviada para outras finalidades, ao arbítrio das necessidades emergenciais de caixa do Executivo federal.
A facilidade de coleta da CPMF foi um dos argumentos usados pelos técnicos para justificar sua criação. Certamente, ela é de mais fácil arrecadação, comparada com a maioria dos outros tributos. Não foi dito, porém, que ela facilitaria a vida do governo dificultando a do contribuinte. Um correntista, por exemplo, ao transferir seu próprio dinheiro de uma conta para outra, mesmo sendo titular de ambas, terá que pagar a tal contribuição.
Mas o que mais irrita é a tentativa em curso de transformar o provisório em permanente. Alega-se a perda de receita que ocorreria de, no mínimo, R$ 15 bilhões por ano. Parece, até, que ninguém sabia que ela tinha dia certo para terminar! O que ocorreu, em verdade, foi o fracasso do Executivo em obter do Congresso Nacional a aprovação de uma reforma tributária adequada às necessidades de manter o controle do déficit público e da inflação, objetivo consensual, hoje, na sociedade brasileira.
O nosso sistema tributário é confuso, burocrático, injusto, ineficiente. Impõe sacrifício excessivo a todos. Mas, por fatores econômicos conjunturais, vem produzindo, em meses recentes, aumentos reais de arrecadação. Bastante para a acomodação do governo. Se é mais fácil arrecadar com a CPMF, que continue o sistema como está. Não importa que, no longo prazo, ele não atenda, com justiça, aos interesses da nação e dos contribuintes, que são também cidadãos.
A lei que instituiu a CPMF prevê sua extinção em junho de 2002. O que está sendo proposto agora, sem a cara de ninguém tremer, é sua prorrogação. Com a diferença de que, daqui por diante, ela não seria mais provisória. A proposta de modificação renega acordos anteriores, pois o pressuposto da aprovação da proposta original pelo Congresso foi sua limitação a período pré-determinado. É, além disso, um incentivo à inércia. Para que fazer uma reforma, quando o mais simples é aumentar a arrecadação pela transformação do tributo?
Essa incerteza sobre a política fiscal é danosa para a economia. Um obstáculo à estabilização definitiva, apesar do muito que já caminhamos. Não podemos ter a ilusão de que a inflação não poderá ressurgir. Se o mercado e nossos parceiros econômicos em todo o mundo não acreditarem na adoção, pelo Brasil, a longo prazo, de um sistema tributário claro, sem burocracia desnecessária, justo e eficiente, a hipótese inflacionária não pode ser abandonada.
Não há atalhos para a geração de recursos destinados ao financiamento das políticas de combate à pobreza. Nem para qualquer outra finalidade. Tampouco há milagres ou jeitinhos. Teremos que criar um sistema fiscal estável, com regras claras, para não sermos condenados a conviver por largo tempo com incertezas paralisantes.
A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF que, acertadamente, disciplinou com rigor a despesa pública, foi indispensável medida de política fiscal. A necessidade existe, de ela ser complementada por outra, igualmente importante: a criação de fontes estáveis de arrecadação. Do contrário, a LRF terá sido mais uma boa intenção a gerar perigosas frustrações.

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