O fascínio do futebol

Jornal O Estado do Maranhão
Recebo por e-mail, de um poeta e prosador piauiense, de origens maranhenses, sugestões para um artigo sobre “o misterioso fascínio que esse esporte [o futebol] exerce no mundo quase todo”. Radicado há muito em Pernambuco, Luiz Alfredo Raposo é, também, brilhante economista do BNDES em Recife, com doutorado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
Machado de Assis disse de Gentil Braga que “[...] não morreu este poeta, e escapou ao orçamento e ao esquecimento”, ao comentar, em 1870, o livro Entre o céu e a Terra, do poeta maranhense. Lamentou, então, o abandono, por Gentil, da poesia, a fim de entrar na vida pública. O mesmo se poderá dizer de Luiz, quando, finalmente, ele decidir publicar sua poesia – em breve, tenho certeza –, seguindo o exemplo de seu irmão mais novo, Alvacir Raposo Filho, médico recentemente admitido como membro da Academia Pernambucana de Letras.
Luiz chama minha atenção para coisas óbvias. Óbvias, bem entendido, depois de serem ditas como uma revelação, como ocorre na poesia. Por exemplo, que o futebol é um esporte de baixa “produtividade”. Magros quatro gols já fazem um placar elevado. No americano, jogado principalmente com as mãos, em um campo de mesmas dimensões, placares de trinta pontos são comuns. Há, também, a “monotonia”, nascida dos erros de passe, das indefinições táticas e da possibilidade de cera. Tem mais. Apesar de toda sua atual profissionalização e dos oceanos de dinheiro que o águam (ver as brigas ferozes pela direção da CBF e da Fifa), o jogo mostra um curioso aspecto “artesanal”. Nele, não são usadas as modernas tecnologias disponíveis no mundo inteiro, como a do replay imediato de lances polêmicos, com o fim de esclarecer lances duvidosos, como é feito em diversos outros esportes, em especial nos Estados Unidos.
Sabe-se que, em seu aspecto material, o futebol é o mais democrático dos esportes, por ser o menos exigente com respeito a equipamentos e espaço para sua prática. Todos podem jogá-lo, facilmente, em qualquer lugar do mundo. Ricos ou pobres de qualquer país.
Mas, acho que o fascínio verdadeiro dele está em sua analogia com a poesia, em que os defeitos aparentes tornam-se virtudes. Como nessa forma de arte, ele nos oferece a possibilidade permanente da surpresa, do inesperado, tem profundidade sobre a aparência de superficialidade, consegue expressar o aparentemente indizível, inefável. Sua baixa produtividade é apenas concisão poética com uma boa dose de paixão.
Cada partida sempre nos dá a mais clara impressão de singularidade, de coisa recém-criada, de nascimento recente. Nada se repete. É claro que toda disputa, em todo esporte, é, da mesma forma, única. Porém, nenhum deles nos dá com tanta nitidez essa sensação. Isso afasta qualquer possibilidade de monotonia. Nesse jogo, nada tem nem pode ter uma leitura linear, racional, fria, muito mais do que em todos os outros. Cada jogo novo é um novo amor. Por isso, tem-se aquela sensação de inutilidade ao assistir os debates entre os “entendidos”, nas mesas redondas das TVs.
Fátima Bernardes, repórter da Rede Globo, uma não “entendida” em futebol, falou recentemente em um desses bate-papos, desconcertando seus colegas, sobre seu cansaço em ouvir os doutos dizerem, o ano inteiro, que a Argentina e a França eram os favoritos para a ganhar a Copa do Mundo. E agora, com a eliminação dos dois, que tinham eles a dizer? Ninguém deu um pio. Outro “favorito” desse pessoal, Portugal, foi eliminado na sexta-feira-passada.
O bom é o Brasil continuar na disputa, com boas chances de poder mostrar sua poesia futebolística até a partida final, apesar do mau agouro desses falsos profetas e de suas crises de auto-estima incuráveis. As pessoas em outros países têm do nosso jogo uma avaliação altamente positiva, de um tipo não visto na nossa imprensa. Em caso de vitória, os “entendidos” falarão acerca da fraqueza de nossos adversários. Mas aí, o caso será para Freud explicar. Com muita dificuldade.

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