28 de abril de 2002

Júpiter e marte

Jornal O Estado do Maranhão
Naqueles dias, fixados mais tarde em nossas memórias como mágicos e inesquecíveis, corríamos à noite para o terraço de nossa casa, para ver uma estrela que cruzava regularmente o céu, sobre nossas cabeças, de um extremo do horizonte a outro. A família toda ia lá uma hora ou outra. Mas somente eu, nos meus nove anos de idade, ficava, depois do jantar, até tarde, esperando pela volta do astro a cada hora e meia, fascinado com aquela visão da incansável andarilha. Ela continuaria seu passeio celeste por seis meses ainda.
Era o Sputnik, uma esfera metálica de 84 quilos, o primeiro artefato humano lançado ao espaço, em órbita da Terra. Ninguém poderia chamá-lo por outro nome, diferente desse de estrela. Pelo menos quem o visse correndo brilhante pelos céus como um ser mitológico em sua carruagem de fogo, nas límpidas noites sem nuvens, pontilhadas das outras estrelas. Mas, foi apelidado de satélite artificial, quem sabe por distraída analogia com a Lua.
Tornou-se, do ponto de vista dos então orgulhosos deuses humanos da ciência, da política e da guerra que o criaram, uma demonstração dos insuperáveis avanços científicos da União Soviética, que o lançou sem aviso, no dia 4 de outubro daquele ano de 1957. Serviu, ainda, como mais um argumento a favor da superioridade do sistema socialista em confronto com o capitalismo americano no início da Guerra Fria.
Mas, veio a ser, também, um símbolo de libertação, pelo despertar de sonhos de progresso material e espiritual no mundo. Para a humanidade, era um grande passo no rompimento dos limites de seu pequeno planeta em órbita de uma minúscula estrela perdida entre bilhões de outras na Via Láctea. Para mim, era, compreendi depois, o primeiro encontro com os mistérios sem explicações do Universo infinito e eterno e com os da própria vida.
Pouco mais de três anos após, em 12 de abril de 1961, chegou a vez do russo Iuri Gagarin tornar-se o primeiro homem a viajar em torno da Terra, livre de sua força gravitacional. Ele fez uma viajem de 108 minutos, a uma altitude máxima de 327 quilômetros. Deu tão-somente uma volta em torno de nosso planeta. Olhou-o com os primeiros olhos humanos a fazê-lo de fora da Terra, vendo-a como uma esfera solta, mas em perfeito equilíbrio no aparente vazio do cosmo, e disse que ela era azul. Assim como Marte é vermelho e Vênus alaranjado e os outros planetas são de diversas cores, formando um arco-íris do sistema solar, parte do colorido mais amplo espalhado em todas as infinitas direções no Universo.
Depois, em 1969, um americano, o agnóstico Neil Armstrong, talvez prefigurando com essa característica a atitude futura da humanidade na compreensão do sentido da vida, chegou à Lua. Colocou os pés pela primeira vez num corpo celeste diferente daquele em que temos vivido por incontáveis anos, desde que pela primeira vez levantamos os olhos em direção ao céu, após nossa prodigiosa emergência como seres inteligentes, do meio de nossos parentes de outras espécies.
Passo a passo, vamos ampliando as conquistas humanas do espaço lá fora, de tal forma que chegará o dia, quando todos nós que hoje perambulamos pelo planeta Terra tivermos voltado ao pó de onde chegamos, em que estaremos presentes em muitos lugares do Universo.
Por enquanto, milionários de todo os lugares estão pagando milhões de dólares a fim de dar um passeio fora de nosso planeta azul. É uma ousadia de poucos aventureiros. No futuro, no entanto, milhares de pessoas estarão fazendo a mesma coisa corriqueiramente, como acontece hoje com as viagens de avião.
À semelhança da canção de Bart Howard, os namorados poderão, nessa época, pedir a seus amados e amadas para voar juntos de mãos dadas, trocando mil beijos, a fim de cantar entre os astros, rumo a Júpiter e Marte, somente para ver como é a primavera lá, em meio a juras de amor.
Essa é, verdadeiramente, a finalidade de toda a aventura humana,  pois se não for para isso, para ganhar a felicidade, que sentido fará conquistar todo o Universo?

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