6 de outubro de 2002

Democracia em marcha

Jornal O Estado do Maranhão
O Brasil mostra ao mundo, ao realizar as eleições de hoje, a solidez e a maturidade de sua democracia. Quem viveu, como eu vivi, os anos ditatoriais após o golpe de Estado de 1964 e, especialmente, os seguintes à edição do AI-5 em dezembro de 1968, pode avaliar a importância de termos hoje uma disputa eleitoral com a perspectiva de vitória de um candidato de um partido, o PT, cujas origens no movimento sindical, contudo, não gera rumores de intervenções das Forças Armadas no processo político nem de mudanças nas regras da disputa nem de interferência aberta ou oculta dos Estados Unidos. Mas, já foi assim.
Uma afirmação como essa, pode parecer estranha às novas gerações. Elas cresceram vendo a realização periódica de eleições livres, sem questionamentos de seus resultados. Os jovens não conheceram, a não ser nos livros de história, os chamados senadores biônicos, eleitos indiretamente por indicação do presidente da República, este, por sua vez, um general selecionado nos quartéis e confirmado formalmente no Congresso Nacional controlado; os governadores escolhidos indiretamente pelas Assembléias estaduais, as quais tinham capacidade nula de dizer não aos desejos da caserna; o bipartidarismo artificial criado à força, no qual somente o partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional, Arena, podia triunfar, sob pena de mudarem-se as regras da eleição a fim de transformar a derrota em vitória; a cassação de mandatos e de diretos políticos de parlamentares de oposição e, até, de governistas rebeldes; a deposição de ocupantes do Executivo; a perseguição a magistrados, aos movimentos sociais e ao estudantil; as prisões arbitrárias seguidas de tortura; a censura prévia à imprensa e a todas as formas de expressão artística; e muitas outras arbitrariedades desconhecidas hoje.
A volta à democracia, porém, não esteve livre de dificuldades. Passada a euforia do crescimento econômico acelerado do fim dos anos sessenta e primeira metade dos anos setenta, para o qual contribuíram várias circunstâncias favoráveis nos mercados internacionais, veio a crise do petróleo, decorrente do conflito entre árabes e israelenses, que, depois de uma pequena defasagem, afetou negativamente a economia brasileira. A pouca legitimidade política conferida ao regime militar pela expansão econômica anterior, desapareceu. Veio daí o processo de abertura “lenta, gradual e segura”, conforme expressão do general Ernesto Geisel, quando ocupava a Presidência da República.
É preciso mencionar, para fazer-se justiça, o papel de grande importância desempenhado pelo presidente José Sarney na condução do país durante esse processo de transição rumo à plenitude do estado de direito. Em um momento em que nossas instituições, mal recuperadas de um longo período de mutilação e castração, ainda estavam tentando reafirmar sua importância para a vida do país, ouvia ele a toda hora um mau conselho. Era o de “dar um murro na mesa”, atitude ensaiada pelo general Figueiredo, quando presidente, com resultados desastrosos. A compreensão, pelo presidente Sarney, de que a consolidação democrática deveria ter o menor grau possível de agitação institucional, permitiu-lhe, em meio a grandes dificuldades na economia, ter um comportamento sereno e conciliatório. Ele foi capaz, assim, de entregar a presidência a seu sucessor tendo a certeza da impossibilidade de qualquer retrocesso. Essa, penso, foi sua grande obra política.
Neste momento, o mundo nos admira pela nossa estabilidade institucional democrática, mas também econômica, esta tornada possível pela outra. Tornamo-nos imunes às desconfianças e ao nervosismo do mercado. É prova de nossa maturidade como nação. Além disso, podemos ter orgulho de sermos o único país a ter uma eleição totalmente informatizada, com acentuada diminuição da probabilidade de fraude como a da Florida.
Isso tudo nos autoriza a apontar os grandes vencedores do pleito de hoje: a democracia e a sociedade brasileiras.

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