19 de agosto de 2001

A cidade, O homem

Jornal O Estado do Maranhão
Os maranhenses orgulham-se do centro histórico de São Luís. Mas não foi sempre assim. Até1979, a situação era triste e dolorosa. Causava vergonha o abandono de seus prédios e ruas, fantasmas de pedra e cal. Eles sequer podiam perambular pela cidade em busca de redenção. Se tinham cometido pecados, já os haviam purgado no longo desamparo.
A partir daquele ano, boas consciências desabrocharam. Sucessivos governos estaduais começaram a trabalhar pela preservação. Mas, nenhum fez tanto quanto o atual. Além de estar cumprindo a maior das etapas de investimentos no centro histórico, a governadora Roseana Sarney tomou a iniciativa que resultou na designação de São Luís, pela Unesco, como Patrimônio da Humanidade.
Enquanto tratava de preservar, seu governo investia na infraestrutura de turismo. Os visitantes começaram a chegar em números crescentes. Não para contemplar ruínas e ouvir lamentações, mas para testemunhar a permanência de nossa história, da qual é bela amostra o antigo e restaurado Solar dos Vasconcelos, sede do Memorial do Centro Histórico.
O Programa de Preservação e Revitalização deve muito ao trabalho de Phelipe Andrés, um mineiro aqui chegado em 1977, para surpreender-se com “uma Ouro Preto à beiramar”. Ele veio cumprir uma profecia de ser encontrado por uma cidade, para dela fazer seu projeto de vida.
Naquele ano, insatisfeito como engenheiro civil no Rio de Janeiro, e de passagem, certo dia, pela imensa rodoviária de São Paulo, Phelipe encontrou, por extraordinária coincidência, um amigo de infância de Juiz de Fora. Agora quase irreconhecível, com longas barbas e ares de filósofo, aquele homem, presença do passado, disse-lhe que, no futuro, prestasse atenção nas cidades que as pessoas iriam mencionar como por acaso. Aquela do sonho de Phelipe iria escolhê-lo. Não o contrário.
Poucos dias depois, encontrou uma amiga maranhense que lhe falou de São Luís e seus sortilégios. Outros transmitiram-lhe o apelo encantatório da cidade. Esta falava, assim, pela palavra dos amigos. Ele aceitou o chamado. Amou-a e a ela se entregou, mal tocou a terra pelas mãos de Miguel Nunes, ex-presidente da Cemar.
Fascinado pela beleza da arquitetura e pelas velas coloridas dos barcos do Portinho, depressa superou seu desconhecimento sobre nossa história. Não exagero ao dizer que ele teve papel fundamental na realização, em 1979, do I Encontro Nacional da Praia Grande, quando foram lançadas as bases conceituais do Programa, ainda orientadoras das ações governamentais na área.
Da reunião, precedida pela vinda ao Maranhão dos arquitetos Viana de Lima, em 1973, e John Gisiger, em 1978, que produziram estudos básicos sobre as políticas de preservação, participaram técnicos estrangeiros e brasileiros, as comunidades, universidades e sindicatos.
A restauração de casarões, igrejas e palácios é a parte mais visível do trabalho. Há outros subprogramas que formam um conjunto coerente: Promoção Social e Habitação, Recuperação da Infra-Estrutura de Serviços Públicos, Incentivo às Atividades de Turismo Cultural, Revitalização das Atividades Portuárias, Recuperação do Patrimônio Ambiental Urbano e da Arquitetura Industrial, Pesquisa e Documentação, e Editoração e Divulgação. Desde 1995, na etapa atual, foram executadas, estão em execução, planejamento ou estudos, 47 obras.
Phelipe tem a capacidade de concentrar-se nas coisas importantes para o centro histórico a longo prazo, de ser realista e paciente ao enfrentar as dificuldade do dia-a-dia, de fazer como o experiente homem do mar que durante a tempestade leva o barco devagar e, sobretudo, de amar a cidade, como o prova ele ter salvo da destruição muitos livros dos séculos XVII a XIX da Câmara de São Luís. Essas qualidades são muito importantes para o sucesso da preservação.
Ao contemplar essa vida de trabalho e dedicação a nossa cidade, pergunto-me por que a Câmara de São Luís ainda não homenageou Phelipe. Ele é o primeiro a merecer tal consideração.

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