Poeta e Poetisa
Jornal O Estado do Maranhão
Dizem ser de Cecília Meireles a afirmação de que poetisa é qualquer mulher que faz versos e poeta uma autora de boa poesia. Portanto, para não se fazer confusão entre a má e a boa versejadora, não seria, nesta última hipótese, “poetisa” o feminino, de poeta, mas, sim, “a poeta”. Era desse jeito que ela, não sei se em consideração às suas muitas qualidades poéticas, gostava de ser chamada. Vem desse equívoco – pois mesmo as grandes poetisas o cometem nem que seja uma vez apenas na vida – a utilização estranha, pelo menos para mim, em círculos restritos, de poeta como substantivo comum de dois gêneros.
Existe claro preconceito feminista, com origem nos anos setenta, parece-me, nessa maneira de utilizar o simples feminino de uma palavra que, pela terminação em a, não ficaria de todo mal empregada se convencionássemos incluí-las entre as femininas. Alternativamente, quem sabe ela pudesse ser utilizada como sobrecomum. A ser assim, se assemelharia, quanto ao uso, à palavra criança, por exemplo: A criança (menino ou menina) viu a uva; mas a poeta (versejador ou versejadora) a comeu. Difícil seria usar “poeta macho” e “poeta fêmea”. Enfrentaríamos decerto a acusação de incentivo ao sexismo e à liberação dos mais baixos instintos animalescos no ser humano, pois essa forma, chamada epicena, é usada para animais.
A palavra poetisa foi dicionarizada pela primeira vez por Morais em 1813, no seu Dicionário da língua portuguesa. Os mais conhecidos dicionários da atualidade não abonam o emprego do comum de dois gêneros neste caso. Todos eles – o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o Novo Aurélio, o dicionário da língua portuguesa, o Michaelis, moderno dicionário da língua portuguesa e o Dicionário da língua portuguesa contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa – registram poeta e seu feminino poetisa e só. Em nenhuma de suas acepções se encontram referências a possível uso da palavra como comum de dois gêneros.
Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova gramática do português contemporâneo, ao analisar a flexão de gênero dos substantivos, observam que há vários masculinos terminados com a vogal a, característica, no entanto, da terminação do feminino. Entre eles, artista, camarada, colega, poeta, profeta. “Alguns apresentam uma forma própria para o feminino, como poeta (poetisa), e profeta (profetisa); a maioria, no entanto, distingue o gênero apenas pelo determinativo empregado: o compatriota, a compatriota; este jornalista, aquela jornalista; meu camarada, minha camarada”.
O Houaiss informa também, usando como fonte de datação o Índice do vocabulário do português medieval, de A. G. Cunha, que poeta, “escritor que compõe poesia”, teve seus primeiros registros em documentos, ainda no século XV. Ora, poetisa, “pessoa do sexo feminino que faz poesia”, é palavra tão boa quanto poeta, pois é da mesma época desta. Reparem o seguinte. Não há qualidade nenhuma, nessas definições, a distinguir o masculino do feminino. A referência é ao mesmo fazer poético, do homem e da mulher, sem nenhum juízo de valor nos dois casos. Não sei de onde saiu a idéia de os substantivos femininos terminados isa terem conotação negativa.
É certo que a língua, viva como é, muda o tempo todo e as palavras adquirem novos e, às vezes, inesperados significados e usos. Não fora assim, poderíamos ainda falar o latim ou o português quinhentista. Igualmente certo, porém, é que não se podem impor essas mudanças por decreto, modismos, idiossincrasias de grandes escritores ou, até, desconhecimento, pelo falante, das características básicas de sua própria língua.
Meu receio é de me criticarem por usar a bela e sonora palavra poetisa, cuja origem está no grego. Afinal, posso fazê-lo, pois não pretendemos ser a Atenas Brasileira?
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