6 de novembro de 2005

A Língua

Jornal O Estado do Maranhão  
Em 1954, quando eu tinha seis anos de idade, já me interessava por futebol. Lembro bem da Copa do Mundo daquele ano, na Suíça. Lá o Brasil perdeu, em partida batizada como A Batalha de Berna pela imprensa, para a Hungria, o time favorito, que foi derrotado na partida final pela Alemanha Ocidental, resultado classificado então como zebra pelos entendidos. Como os de hoje, eles viviam de palpites errados sobre os prováveis vencedores.
A derrota brasileira em 1950 no Maracanã para o Uruguai, recente como era, ainda gerava muitas discussões. Criou-se um clima de tal pessimismo e tanta autoflagelação nacional que Nélson Rodrigues disse depois que quando a Seleção viajou para a disputa na Suécia em 1958 o exílio da equipe acabara. Ninguém acreditava na nossa equipe. No entanto, as estatísticas forneciam razões para otimismo. Em 1938 ficamos em terceiro lugar e foi nosso o artilheiro, Leônidas da Silva; em 1950, fomos vice-campeões. (Em 1942 e 1946 o torneio não foi realizado por causa da Segunda Guerra).
Eu ouvia os comentários dos mais velhos sobre a tragédia de 50 e sobre o fantástico time húngaro de 54, invicto havia quatro anos, sem saber o que pensar. Algum dia seríamos campeões? A resposta veio rápida, com a conquista da Copa logo em 1958. Ouvíamos os jogos pelo rádio, em ondas curtas cheia de ruídos, dificultando a audição, muito diferente de agora com o som limpo das transmissões radiofônicas. Lembro de meu pai lendo um jornal em 1957 em nossa casa no Monte Castelo e comentando sobre um garoto de 16 anos, um tal Pelé ou Pelê – ele não estava bem certo sobre a pronúncia do nome nem o jornal –, que começava a aparecer como genial no futebol paulista.
Essas lembranças me vieram a propósito de referências da imprensa a projeto de Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados, de barrar o uso de palavras estrangeiras, no português brasileiro, em eventos públicos, meios de comunicação, nomes de produtos e estabelecimentos comerciais. Medida proposta sem sucesso por gramáticos antes. Um, Antônio de Castro Lopes, inventou palavras novas com base no latim e as divulgou no seu livro Neologismos indispensáveis e barbarismos dispensáveis: ludopédio (futebol), ludâmbulo (turista), lucivelo (abajur), cardápio (essa foi uma das poucas incorporados ao léxico).
Nos anos 50 era muito comum o uso de estrangeirismos ingleses no meio futebolístico: goalkeeper (goleiro), back (zagueiro ou ala), free kick (tiro livre), foul (falta), referee (juiz), team (time), driblle (drible), penalty (pênalti) e outros. Ao ler notícias sobre as idéias do deputado lembrei-me da participação brasileira nas Copas dos anos 50.
É inútil o esforço do ilustre membro do Partido Comunista do Brasil. A língua tem dinâmica própria e não se submete a regras artificiais. Em seminário realizado na própria Câmara dos Deputados em 2000, o professor Volnyr Santos, doutor em teoria da literatura e ex-professor da PUCRS, em palestra sobre o tema “Empréstimos lingüísticos: tradição e atualidade”, afirmou: “O que se quer mostrar é que, em relação à língua, lei não funciona. A única lei que funciona na língua é a própria lei lingüística. Por exemplo, a lei do menor esforço. Essa língua vai funcionar porque vai facilitar a comunicação. Agora legislar, de certo modo, definindo o modo como as palavras e a lingüística devam funcionar, isso realmente não funciona”.
Cada língua faz sua própria caminhada, em que muda a sintaxe, recupera arcaísmos e incorpora neologismos, com base na influência de outras, no falar popular e na invenção de seus melhores escritores. A mudança é a regra. A pureza lingüística é uma ilusão. Os donos do idioma são os seus falantes e não os legisladores cujas boas intenções já superlotaram o inferno há muito tempo.

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