É Palhares o Morcego?
Jornal O Estado do Maranhão
Não sei se o leitor já ouviu falar de Palhares, o canalha. Não um canalhinha qualquer. Ele era o canalha irretocável, perfeito, honesto. Atacava sem piedade as cunhadas nos corredores, depositando, qual morcego de filme de terror, mordidas e mais coisas no pescoço e em várias outras partes do corpo delas, na época em que muitas moças casavam, porém não saíam logo de casa, para onde traziam os maridos, pelos menos enquanto eles não arrumassem um bom emprego.
Pois esse personagem inesquecível da ficção de Nélson Rodrigues, era um cara assim. Morava na casa do sogro. Mesmo vivendo lá, não se detinha ante as exigências da falsa moral burguesa do sogro e não deixava passar nenhuma oportunidade de assediar as irmãs da mulher que, pobre coitada, jamais desconfiou de nada.
Agora, os cientistas anunciam a descoberta de inusitado comportamento num ser que age no estilo Palhares. Os machos dos morcegos da espécie Rhinolophus ferrumequinum fazem sexo com a sogra e, até, com a avó de sua mulher, se desta forma se pode chamar a companheira desse predador das cavernas. Eles vivem separados das fêmeas. Só se aproximam na hora do acasalamento. Dão razão, neste ponto, à velha queixa feminina de que, ao aproximar-se de uma representante do outro sexo, o macho tem apenas interesse, vamos dizer, na procriação. Essa conduta pode ser, como se vê, comum não só entre humanos, mas no resto do reino animal.
Não pense, contudo, incrédula leitora, nos morcego como um sujeito dissimulado, desse de fazer coisas como essas às escondidas, protegido pelo escurinho do lugar onde mora. Não, esse faz tudo às claras, em qualquer lugar, quando, louco de desejo pela sogra e pela avó da consorte, que a tudo assiste com olhos compreensivos, resolve se comportar como galã de subúrbio.
Vejam agora a palavra dos estudiosos do assunto.
Na maioria dos mamíferos, o acasalamento é quase sempre estabelecido pelo grau em que os machos são capazes de monopolizar as fêmeas. A escolha é deles. Pode ocorrer algumas vezes, no entanto, que a regalia masculina passe para o lado delas. No caso dos morcegos, elas radicalizaram, quebraram o monopólio masculino e passaram a escolher os companheiros, porém de maneira incomum, porque os compartilham com as mães e avós. É decisão familiar. Elas se reúnem e decidem convocar o morcegão ao imediato cumprimento do dever. Portanto, os culpados não são eles.
A teoria da evolução postula que os indivíduos de qualquer espécie escolherão parceiros que melhorem a aptidão à sobrevivência de seus descendentes. O aumento de parentesco – importante nos animais gregários – resultante do comportamento como esse das fêmeas, aumenta a cooperação social do grupo, tornando maiores as chances de sobrevivência de seus membros. Com certeza, pode-se chamar esse fenômeno de “evolução por nepotismo”.
Essa explicação, todavia, não dá conta ainda da forma como surgiu essa estratégia evolutiva e por que esta e não outra foi adotada. Os cientistas não têm certeza. “Uma possibilidade é que os parentes da fêmea sigam uns aos outros até os locais de acasalamento, ou copiem a escolha de parceiro”, diz o professor Stephen Rossiter, da Universidade de Londres.
Seja como for, quem pode sair reabilitado dessa história é Palhares. Seria ele tão pernicioso como sempre se pensou, ou, ao contrário, é tão-só um bom rapaz que apenas cumpre o seu papel na preservação da espécie, ao tentar procriar dentro da família de sua mulher e promover, ao agir desse jeito, coesão social e, em conseqüência, maior capacidade de sobrevivência? Não seria boa idéia levantar um monumento a ele, o ex-canalha, e dar-lhe o título de benemérito da humanidade? Não seria ele um incompreendido, mas em verdade exemplar Rhinolophus ferrumequinum?
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