18 de janeiro de 2009

Uma vida

Jornal O Estado do Maranhão

Acabo de ler De fantasmas e loucura, do escritor maranhense radicado em Brasília, Pedro Braga dos Santos. O autor tem uma bibliografia diversificada que começa na sociologia, com Alcântara: a sociologia da festa do Divino (1980), A Ilha afortunada (1987) e O touro encantado da Ilha dos Lençóis:o sebastianismo no Maranhão (2001), passa pela história, com uma Pequena história da energia no Maranhão (1992) e transita por estudos no campo da ética, com Ética, direito e administração pública (2006), do direito, Manual de direito para engenheiros e arquitetos (2007) e Crime e sociedade (2008) e, finalmente, da literatura infantil, a exemplo de O lobo-guará e o bicho-folha (2002) e A ararinha-azul e outras histórias (2008).
Agora Pedro nos oferece uma obra corajosa e franca, por seu autodesnudamento existencial, incomum nos escritores comuns, mas não naqueles, como ele, que têm algo relevante a dizer. O livro, de caráter memorialístico, narra a trajetória de vida de um filho de emigrante português na acanhada São Luís dos anos 50. Sempre inquieto com os problemas de seu tempo, num país e, em especial, num estado assolados por seculares desarranjos econômicos e sociais, preocupa-se com mais intensidade ainda com as eternas angústias do ser humano e se envolve na militância de esquerda, adotando o caminho do ativismo político. Teve , assim, de sair do país e morar na França, na vigência da ditadura militar de 1964.
O livro poderia ser visto, numa apreciação apressada, simplesmente como a mera sucessão de fatos interessantes da vida de membro da classe média que, tendo passado a infância na pequena cidade da época, mais tarde deixou sua terra por força das circunstâncias, tendo história parecida com a de outros de sua classe. A respeito de infância, não pude deixar de lembrar da minha ao ler a narrativa de um episódio narrado por Pedro, uma “pequena tragédia”, como eles diz, quando tinha cinco anos de idade. Um irmão mais velho jogou de longe uma faca na sua direção, acertando-lhe o tendão do pé esquerdo. O ferimento lhe deixou sequelas, pois a partir daí tornou-se-lhe impossível dobrar um dos dedos do pé.
No meu caso, fui algoz sem motivo. Em conluio com meus irmãos, Saturnino e Luís Carlos, fomos capazes de moer, não sei por que, com um moedor de carne, operado com uma manivela, quando se moía carne em casa, um dos dedos da mão esquerda de outro irmão, Cursino, para desespero menos da vítima e mais de nossa mãe ao ver o sangue e o dedo mutilado. É verdadeira a observação sobre poderem as crianças ser extremamente cruéis, como esses episódios mostram. Está em nossa natureza.
Se examinarmos sem pressa a obra, podemos ver que sua essência está na reflexão do autor sobre os grandes questionamentos existenciais. O sentido da vida, o amor, o desamor, o ódio, a amizade, as angústias ante o nada ou o tudo depois da morte, as dúvidas, as derrotas e vitórias, os relacionamentos, fracassados ou não, e tudo o mais que faz do existir uma luta permanente.
Tendo se exilado na França, por sua militância política na Ação Popular (depois ele se filiou ao Partido Comunista Francês) e pago um preço alto por isso, não se encontra no livro aquela autoglorificação tão característica das memórias de ex-militantes de esquerda. Muitos destes faziam parecer que sua atuação heroica na resistência à ditadura fora decisiva para a queda do regime. Outros caíram no extremo oposto, na mais despropositada autocrítica pública.
Temos aqui o relato sem mitificações e engodos de uma vida de erros e acertos, com inseguranças, esperanças e superação de limites pessoais, como se a dizer que a vida é a que se vive, não a que se poderia viver, pois diferentemente do teatro não se pode ensaiar a existência com o fim de ter um desempenho perfeito.

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